7.3.06

Heavy Metal

Não fosse o caso de estar a decorrer um ciclo de David Cronenberg e a exibição de Crash (o verdadeiro), ontem, na cinemateca, correria riscos de ser tida como um statement reaccionário.
Crash é um filme doentio, que, muito compreensivelmente, incomoda, perturba e choca boa parte daqueles que a ele assistem. Aparentemente, trata das perversões de um grupo de tarados que usa os desastres automobilísticos como estímulo sexual. Mas só aparentemente. Se se observar para além da superfície, Crash é um filme de vampiros. E um dos melhores deste género. As suas personagens – todas elas vítimas de acidentes de viação - vão gradualmente transfigurando-se em mortos vivos, que se arrastam de forma apática e pesada de um lado para o outro, normalmente à noite ou para locais escuros, em busca do sangue do próximo. Reconhecem os seus semelhantes ao primeiro olhar e com eles formam uma comunidade com códigos e rituais próprios. Ao contrário do que parece, os choques e os desastres não são um incentivo para o sexo. O sexo é que funciona como um teaser para as espetas. Heterossexual, grupal, homossexual de ambos os tipos, todas as variantes sexuais servem de pretexto para a colisão que se segue. Mais do que carne, os zombies de Crash querem metal. De preferência espetado no corpo. De preferência letal. Pois sabem que, uma vez no estado de vampirismo em que se encontram, a única coisa que os pode salvar da agonia que sentem é a morte. E assim, na última cena do filme, depois de atirar para fora da estrada o carro de Deborah Kara Unger e apercebendo-se que apesar da violência do embate esta permanece viva, James Spader vai ao seu encontro, deita-se ao seu lado, abraça-a, põe-lhe a mão entre as pernas e segreda-lhe ao ouvido: “maybe the next time, maybe the next time”.