18.5.06

Música para cargas e descargas

Brellianos ortodoxos de todo o mundo podem ficar descansados. Inimigos da grandiloquência melódica podem baixar as armas. Combatentes do ultra-romantismo podem sair das trincheiras. Ainda não é desta (nem será de nenhuma outra) que Scott Walker regressa ao seu passado. Ao crooner que em tempos foi. The Drift, tal como o anterior Tilt, não tem nada a ver com o Scott Walker dos primeiros discos. The Drift é um corpo estranho, numa época em que pouca coisa é capaz de provocar estranheza. Atmosfera fantasmagórica cortada por textos impenetráveis declamados em tom operático. Sons concretos e descargas súbitas de ruído massivo. Uma mistura de War Requiem com John Cage. E ao fim do dia - que é como quem diz: ao fim do disco - a sensação de ter sobrevivido a uma carga de pancada.
A música pop não mora aqui. The Drift faz lembrar Ascension de John Coltrane ou Mulholland Drive de David Lynch. Obras que começam por provocar desconforto na pele e estupefacção na mente, mas que, sem se perceber quando, como ou porquê, deixam lá a semente a germinar. Como diria o rock snob: rewards repeated listens.