21.5.06

O óbvio "Manel do Laço"

No momento em que o Barcelona marcou o primeiro golo (uma falha da defesa) e percebi que iria ganhar a liga, fiquei fodido. No momento em que marcou o segundo (um frango), fiquei mais fodido. Eu estava, claro, a torcer pelo Arsenal. Quando o jogo acabou, tive vontade de insultar alguém. E resolvi insultar o maradona, que é uma espécie de "Manuel do Laço" do Barcelona (estou a vê-lo com ar de serial killer, o chapéu de coco e o laço ao pescoço a dar corridinhas à volta do Camp Nou para alegria da affición).

Foi então que escrevi um post - com o link propositadamente omitido - onde de forma primária disse que o Barcelona não tinha jogado nada e que teria sido muito mais engraçado se o Arsenal tivesse ganho. Pelo meio introduzi a expressão "amaricada". E depois fiquei à espera que o astro Manel do laço enfiasse a carapuça.

Passados dois dias, o astro de Laço, com a espinha dos filetes de há uns meses entalada na garganta e a carapuça enfiada até às unhacas dos dedos dos pés, sai-se com este post. Parece que não me enganei: tal como o Barcelona, o Zé Manel do laço é um gajo previsível. Se alguém se atreve a entrar na sua coutada e, de alguma forma, se desvia do perorar dos seus sermões, ainda para mais associando-lhe qualquer coisa a ver com maricagem (estamos perante um homofóbico clássico), o gajo atiça-se e sente-se impelido a mostrar serviço.

E que serviço. Como de costume, um textículo iluminado, carregado de sabedoria e de argumentos, mais argumentos, imensos argumentos. Gosto particularmente deste: «É como se eu fosse "do Samuel Johnson", e por isso andasse para aí a falar mal do Shakespeare.» Não tanto pelo tom xunga, mas pela ideia quadrada que lhe subjaz: há certas coisas que são de tal forma superiores que não faz sentido criticá-las por comparação com outras de que, eventualmente, gostemos mais. O maradona do laço, que de burro não tem nada, sabe que esta ideia - sedutora, mas pouco original no exemplo que utiliza - de maneira alguma se pode aplicar ao futebol. Paul Johnson nunca jogou contra Shakespeare. E na bola, 99% das pessoas passam o ano a "falar mal" dos "Shakespeares" que derrotam as suas equipas. Nós somos do Sporting. O que seria se tivéssemos que ser objectivos.

O segmento sobre a troca de bolas também é memorável, mas a besta de laço, uma vez mais, desvia as atenções da realidade. O Barcelona, a seguir a marcar o segundo golo, limitou-se a trocar a bola dentro do seu meio campo, sabendo que com menos um e a moral feita em merda o Arsenal dificilmente recuperaria. Não passou da linha central. É eficaz? É, Manel. É ético? Who cares. Mas mostra medo, num contexto em que, no mínimo, é pouco simpático mostrar medo.

Mais adiante, e sem sequer ter a amabilidade de fazer uso da vaselina salicilada que costuma trazer consigo, o Zé do Laço penetra os terrenos da desonestidade intelectual. Ainda que muito indirectamente, sugere que o Barcelona da Final da Taça (ou o deste ano, tanto faz) tem alguma coisa a ver com o Brasil de 1982, e, consequentemente, tudo o que eu disse a propósito daquele repeti-lo-ia em relação a este. Ora, se assim fosse, dúvidas não restariam que o tal post seria uma enormidade. Só que assim não é. O Barcelona e a tal troca de bola amaricada do jogo da final está a três oceanos ao quadrado de distância do Brasil de 82. O Brasil trocava a bola avançando no terreno. O Barcelona trocou a bola como a Alemanha e Áustria desse mundial trocaram: de forma estaticamente circular, cobardola, para guardar um resultado suficiente, quando o risco de jogar bem era praticamente nenhum.

O Zé Fernando do Laço, que de idiota não tem nada, quer provar por A mais B e pela sexagésima oitava vez que o Barcelona é melhor que o Arsenal e que ganhar é melhor que perder. Está de parabéns, pois conseguiu fazê-lo. Aliás, tratando-se de uma missão quase impossível, só mesmo o benemérito da causa mAMA o poderia fazer. Demostrou o óbvio. Um óbvio que só aquela cabeça inimputável teima em julgar que mais ninguém vê. Estou a imaginá-lo, a altas horas da madrugada, com o prato de papa Cerelac ao lado, a ruminar: "este gajo! parece impossível! Agora já nem reconhece que a vitória é um valor em si mesmo. Foda-se! Tenho que escrever um post. E amanhã acordo cedinho para ir dar um passeio de bicicleta."

Numa parede ao pé de minha pode ler-se: "O mundo é um lugar escuro, ilumina a tua parte". O Zé Madeira de Laço ao pescoço, faz mais: ilumina-nos a todos com a sua genialidade. É tão brilhante, tão reluzente que faz mal à auto-estima nacional. Dou dez salvas de palmas a quem o puser a ler repetidas vezes a série "Música e ironia" para ver se assim perde algum do génio que carrega e passa a habitar patamares de aceitabilidade social.

O Fernando Jorge do laço fica chateado com gente que não sabe ver futebol. Para além disso, é um gajo que por trás de uma aparente irreverência gosta muito do respeitinho. Respeitinho pelo senhor presidente Jorge Bush. Respeitinho pelo senhor professor dr. Aníbal Cavaco da Silva. Respeitinho pelo senhor jogador Ronaldinho Gaúcho. Aquela cabeça, que não serve só para dar cabeçadas na bola durante os jogos da praceta, aborrece-se quando não vemos ou não mostramos o devido respeito pelas coisas maravilhosas que se passam à nossa frente e para as quais ele - visionário, visionário - faz o favor de nos chamar a atenção. É uma grande cabeça. Temos que a aproveitar melhor.

A terminar, um elogio sincero. Atentem nesta frase: "Quando se celebra o Brasil de 82 não se celebra uma hipotética vitória estético-moral da derrota, mas sim o campo por excelência (o Desporto) onde a impossibilidade material na concretização terrena de um mundo idílico só tem como consequência a derrota num jogo." Isto é tão bom que eu até fico a pensar se não terá sido escrito pelo Nelson Rodrigues.