29.9.06

Miles Davis lives (II)

Num mundo ideal, num mundo só de ideias, isto que se ouve aqui em baixo seria um arquétipo.


(In a Silent Way, 1969, primeiros acordes)


(In a Silent Way / Shhh/Peaceful, versão de 1998 misturada por Bill Laswell)

Miles Davis lives

Numa Wire de há treze anos, Brian Eno escreveu estas palavras a propósito de Miles Davis:

When you listen to Miles Davis, how much of what you hear is music, and how much is context? Another way of saying that is, 'What would you be hearing if you didn't know you were listening to Miles Davis?' I think of context as everything that isn't physically contained in the grooves of the record, and in his case that seems quite a lot. It includes your knowledge, first of all, that everyone else says he's great: that must modify the way you hear him. But it also includes a host of other strands: that he was a handsome and imposing man, a member of a romantic minority, that he played with Charlie Parker, that he spans generations, that he underwent various addictions, that he married Cicely Tyson, that he dressed well, that Jean-Luc Godard liked him, that he wore shades and was very cool, that he himself said little about his work, and so on. Surely all that affects how you hear him: I mean, could it possibly have felt the same if he'd been an overweight heating engineer from Oslo? When you listen to music, Aren't you also 'listening' to all the stuff around it, too? How important is that to the experience you' re having, and is it differently important with different musics, different artists?

A observação de Eno é brilhante, mas corre o risco de ser tomada por redutora. Miles Davis é contexto, mas é igualmente texto (começa, aliás, por sê-lo); é significante e significado; é o labirinto e o seu centro. O mito só nasce e cresce porque na sua origem, a alimentá-lo, existe uma obra tão real, tão boa, tão rica, tão vasta e tantas vezes tão inovadora. Miles morreu fez ontem quinze anos. A música e a mitologia perduram.

28.9.06

O Cão

Civilização é parar na passadeira para deixar o cão rafeiro passar.

25.9.06

e Poe?

Está incluido em Poe(sia)?



O Tiago, conservador, deprimido, punheteiro e abstémio, entendeu o post supra como um acto hostil. Como uma sindicância da sua erudição. Entendeu muito mal. Como prova da minha admiração pela personagem, ofereço-lhe mais um clássico

O ouvinte do fórum

É uma pessoa que costuma ficar extremamente indignada. A sua propensão para a indignação é tal que há dias em que chega a indignar-se com a falta de indignidades.

Os dias de Osama

Hoje em dia, não há thriller político que não meta Al Qaedas, mullahs e Bin Ladens. Nos anos 70, a idade de ouro deste género, tudo era diferente. Havia-os para todos os gostos. Um dos favoritos é The Day of the Jackal (1971), romance de Frederick Forsyth que conta a história de um assassino profissional contratado pela OAS (Organisation Armée Secrète) para liquidar o General De Gaulle. A única coisa chata é o final feliz. Ao longo do livro - ou da magnífica versão para cinema realizada em 1973 por Fred Zinnemann - torço pelo chacal contra o aparatoso aparelho burocrático do Estado francês. A minúcia que põe na execução do seu plano, o aspecto impecável (para os standards da época) com que quase sempre se apresenta, as boas maneiras, fazem dele um criminoso encantador. Parece mentira, mas há pouco mais de vinte anos atrás havia ficção de espionagem capaz de suscitar sentimentos ambíguos. Hoje, nos livros e nos filmes, é difícil torcer pelos maus. A coisa é feita de forma a não dar grandes saídas. Os maus são feios, porcos e maus. Os maus são invariavelmente os outros - uns selvagens que não deixam margem para afinidades. Os maus são uma praga, que nos condena a nós - leitores, espectadores - a torcer pelos bons.

23.9.06

Americana

Americana

Uma república onde agora reina um príncipe

20.9.06

Gostar de mulheres que gostam de mulheres

Break, blow, burn

Camille Paglia é a feminista preferida deste estabelecimento. Mas não é isso que interessa. Paglia é muito mais que “gender studies” e tiradas politicamente incorrectas sobre sexualidade e feminismo. É um dos melhores exemplos da hipótese de uma supremacia feminina. No ano passado publicou Break, Blow, Burn – uma antologia de quarenta e três poemas de língua inglesa comentados por si. Os poemas - grande parte, pelo menos – são obras-primas. E alguns dos ensaios que se lhes seguem não ficam assim tão longe. Ler William Blake, Whitman, Yates ou Wallace Stevens (surpreendentemente, falta Allen Ginsberg, talvez o mais pagliano dos grandes poetas americanos) através da cabeça de Camille Paglia, é como passar uma noite com Angelina Jolie munido dos 33 centímetros de John Holmes.

19.9.06

Da generosidade

Por outro lado, as gordas dão tudo.

Em defesa do modelo de beleza vigente

Em Espanha, depois do fumo e da sesta, querem proibir a magreza das mulheres. Sou, como é óbvio, contra. Gosto de mulheres magras. De preferência, muito magras. Se possível, majestaticamente magras e curvilíneas. Contradição? Nem por isso. As curvas não têm nada a ver com o peso. Existem ou não existem. São um dote natural. Uma mulher sinuosa, magra ou gorda, é sempre uma mulher sinuosa. A magreza apenas realça ainda mais as curvas que já ostenta. Ao contrário, uma mulher sem curvas, por mais que amplie a massa corporal, está condenada a viver sem curvas. A gordura nunca se acomoda onde faz falta. A sua distribuição pelo corpo é dos fenómenos mais grosseiros da natureza. A gordura é infame. Assalta o pescoço, os braços, a cintura, os tornozelos, os pés. Deixa a mulher pesada e (afinal) sem forma.
Por mais que tentem impingir às pessoas que o que interessa é o interior, a verdade é esta: em primeiro lugar, mulher magra e curvilínea; em segundo, exequo, mulher generosa e curvilínea e mulher magra e aplanada; último lugar: mulher gorda.

Walt Whitman por Walt Whitman em 1890


America
Centre of equal daughters, equal sons,
All, all alike endear'd, grown, ungrown, young or old,
Strong, ample, fair, enduring, capable, rich,
Perennial with the Earth, with Freedom, Law and Love,
A grand, sane, towering, seated Mother,
Chair'd in the adamant of Time

17.9.06

O comunismo na América

Marx previu que, instituída sociedade comunista, o dia-a-dia do homem passaria a ser qualquer coisa como isto: de manhã, trabalharia; à tarde, dedicar-se-ia a actividades lúdicas, como a caça ou a pesca; e à noite reunir-se-ia com os seus camaradas para animadas discussões intelectuais.
Vendo bem - mais pormenor, menos pormenor - este é o quotidiano de um milionário americano nos dias de hoje.

15.9.06

Coexist

Hoje somos todos da "dura"

"...representantes da direita mais reaccionária e pseudo democratas de trazer por casa..."

"...reivindicando na própria verborreia a designação de democratas, têm raízes fundas no passado fascista em que militaram de corpo e alma..."


Anabela no Avante

Sou uma pessoa de hábitos

Neste mundo cada vez mais intrincado e perigoso, não há lugar para neutralidades. Não há lugar para meias tintas. É preciso saber escolher o lado da barricada onde ficar. Por isso, na guerra que se avizinha, eu estou pelo Expresso.

10.9.06

Direitas

Entre a "mole" e a "dura", prefiro a semi-rígida.

By the way

Vasco, já que estás em NI, em vez de perderes tempo a interpretar os meus links, podias fazer-me um grande favor: vai a uma Virgin ou HMV e tenta arranjar os seguintes DVDs: Dead Pigeon on Beethoven Street, Crumb (Special Edition), Point Blank e Le Trou (atenção, tem de ser a edição da Criterion). Depois, faz um embrulho com todos e manda-mo por correio para a morada que te farei chegar por email. Logo que receba o material, tratarei de reembolsar-te todos os gastos (se preferires posso fazer uma transferência antecipada). Abraços e boa sorte nas compras.

6.9.06

Junior Boys no jardim dos Faraós


Eu já encomendei os Junior Boys.

E tu, já mandaste vir os Faraós?

(A edição que traz o Aguirre acoplado é capaz de valer bem a pena, e já só há um exemplar)

4.9.06

E quando a lógica não é mais que uma batata (ii)

Os paradoxos são das coisas mais fascinantes que há no mundo (no das ideias, pelo menos). Através deles constata-se que a realidade, por vezes, consegue contrariar pensamentos imensamente lógicos e racionais sem os tornar ilógicos ou irracionais. Um dos meus paradoxos lógicos favoritos é o de Aquiles e a tartaruga, da autoria de Zenão de Eleia. Jorge Luís Borges conta-o assim:

"Aquiles, símbolo da rapidez, tem de alcançar a tartaruga, símbolo de lentidão. Aquiles corre dez vezes mais depressa que a tartaruga e dá-lhe dez metros de vantagem. Aquiles corre esses dez metros, a tartaruga corre um; Aquiles corre esse metro, a tartaruga corre um decímetro; Aquiles corre esse decímetro, a tartaruga corre um centímetro; Aquiles corre esse centímetro, a tartaruga um milímetro; Aquiles o milímetro, a tartaruga um décimo de milímetro, e assim infinitamente, de modo que Aquiles pode correr para sempre sem a alcançar."

A refutação ensaiada por Aristóteles é por muitos considerada frágil, e só a quântica, alguns anos mais tarde (séc. XX), pôs um fim lógico à perpétua corrida entre Aquiles e a tartaruga.

Moral da história: não te fies sempre na lógica, pois a realidade, às vezes, precede a razão.

E quando a lógica não é mais que uma batata



Para a rapaziada blasfema e insurgente.

Pobreza franciscana

A greve é um “socialist nonsense”, afirmou em tempos o velho e sábio John Ford (How green was my valley). Já a “marcha pelo emprego” do Bloco de Esquerda - sem dignidade para ser socialista – é apenas nonsense. Nonsense do ridículo. Um pegado e grotesco nonsense do ridículo. Trupe circense país abaixo; Loção e convidados especiais; Fazenda, as “vacas magras” e umas meninas (não tão magras) com aparente ar irreverente. Miserenta e triste marcha franciscana. “O povo” - ora aos gritos, ora calado, ora aos berros, ora maçado – a vê-la passar.

Dias felizes

Dias cheios. Diário mínimo.