13.11.06

Jarrett's in the house

Depois do alarmista (mas bom) artigo do Expresso, sentia-se alguma tensão no ar. As pessoas estavam com medo de tossir, de espirrar, de gemer, de arrotar, de emitir um qualquer ruído que pudesse servir de pretexto a Keith Jarrett para fazer uma das suas míticas cenas e deixar o Mega Ferreira à beira do colapso. Talvez por isso, nos minutos que antecederam a entrada dos músicos em palco, sucederam-se as tossidelas forçadas, como se não houvesse amanhã para libertar o eventual escarro entalado na garganta. A tal ponto que, das galerias, alguém às tantas gritou: “Foda-se, vamos a calar, caralho!”.

Bom, não foi exactamente assim. Mas o facto é que, passada a tosseira, a populaça lá se calou, as luzes lá se apagaram, e Keith Jarrett, no meio de um silêncio reverencial, entrou, fez uma vénia oriental, sentou-se e começou a tocar.

E tocou muito: das baladas ao boogie woogie, dos blues ao ragtime, do american songbook ao be bop, passando por aqueles tour de force abstractos que fizeram e fazem a sua glória a solo. Keith Jarrett, já se sabe, é um virtuoso. Mas o que o torna genial é a capacidade de contextualizar a prodigiosa técnica que tem com a memória da música americana (e ocidental), para daí, súbita e desenfreadamente, partir para outras - até então - inalcançáveis paragens.

No meio disto, Gary Peacock (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria) são apenas a sua (competentíssima) secção rítmica. Marcam o tempo e traçam a estrada onde o génio se passeia e da qual por várias vezes se desvia. Num ou noutro momento, lá vão tendo direito ao seu solo (ontem, Peacock foi favorecido), sempre contido e subjugado ao quase absolutismo do piano. Talvez por isso, como trio, ache superior Bill Evans com Scott Lafaro e Paul Motion. É mais equilibrado, mais justo, mais clássico. Mas, como música liberta de todas as grelhas epistemológicas, prefiro Jarrett. Com os seus improvisos, massaja melhor aqueles pontos da alma que ficam meses e meses sem se ex(er)citarem.