4.1.07

If it has more than three chords, it's jazz

O prefácio de Philip Larkin para a segunda edição de All What Jazz (faber and faber, 1985) - o livro que reúne as críticas que publicou no Daily Telegraph entre 1961 e 1970 - é uma das mais contundentes manifestações de reaccionarismo musical que até hoje li.

Larkin começa por declarar e descrever o seu amor pelo jazz clássico - dos founding fathers, como King Oliver, Jelly Roll Morton ou Sidney Bechet, até às bandas de swing "brancas" de Benny Goodman ou Glen Miller, com passagem pelos grandes e pequenos nomes da "idade de ouro", Louis Armstrong, Ray Nobles, Duke Ellington, Bubber Miley ou Count Basie. O jazz de que aprendeu a gostar enquanto estudava em Oxford, tocado e gravado antes da segunda grande Guerra, com melodias trauteáveis e ritmos dançantes. Um jazz que, nas suas palavras, era "the music of happy men". E que de súbito, um dia, deixou de o ser.

Para Larkin, terminada a Guerra, dificilmente se pode falar em jazz. É com espanto e horror que descreve o aparecimento do bop e a entrada em cena de Charlie Parker, um homem que, segundo nos conta, "couldn't play four bars without resorting to a peculiarly irritating five-note cliché from a pre-war song called The Woody Woodpecker Song". Em cerca de dez páginas, Philip Larkin, um nostálgico da great american music na linha de Woody Allen, desfaz com arte e humor todo o jazz "moderno". De Monk ("a not-very-successful comic, as his funny hats proclaimed") a Coltrane ("gigantic absurdity, great boring excursions on not-especially-attractive themes ..."), passando por Miles Davis ("Davis had several manners: the dead muzzled slow stuff, the sour yelping fast stuff, and the sonorous theatrical arranged stuff, and I disliked them all").

Aos ouvidos de Larkin, tudo o que era então novo soava mal - é verdade que ainda não tinham aparecido Housemartins nem Happy Guillotineros - e com tendência para piorar, à medida que o calendário avançava. A novidade não era o máximo. Pelo contrário: o free jazz é qualificado como um ultraje. Ornette Coleman, Albert Ayler e Archie Shepp, como uns impostores. "By this time I was quite certain that jazz had ceased to be produced. The society that had engendered it had gone, and woul not return", sentencia, pesaroso, Larkin .

Este é um maravilhoso texto reaccionário, do qual, como é óbvio, discordo. Para além de adorar a maioria dos nomes que Larkin despreza, não acho que a essência do jazz tenha sido subvertida com o fim do período clássico. É certo que se intelectualizou, o que deu azo às maiores aldrabices e charlatanices. É certo que se colou muitas vezes a movimentos políticos, o que o levou a algum pedantismo. É certo que se tornou menos melódico e apelativo, e logo pouco popular. Mas a originalidade desta música persistiu. As suas características primeiras permaneceram. O swing não desapareceu. Mais ou menos contaminado por corpos estranhos, o jazz continuou a ser a música que os escravos inventaram a apartir dos instrumentos abandonados pelos soldados brancos no fim da Guerra de Secessão. Hoje, menos happy, mas tocado por homens com barriga mais cheia.