30.3.07

Uma cerveja no Inferno

Em Le Salaire de la Peur (1953), de Henri-Georges Clouzot, quatro homens são encarregues de transportar dois camiões carregados de nitroglicerina através dos caminhos acidentados de um qualquer país da América do Sul. Fazem-no por dinheiro ou porque não se importam de morrer. Depois de um prólogo de quase uma hora em que se sucedem as cenas de antologia, começa a viagem: quatro homens, dois camiões e uma carga mortal ao primeiro percalço. E depois chegam os vícios e virtudes humanas. Todas as misérias e grandezas. Todos os rasgos e acanhamentos. Só que Clouzot filma a coragem e a cobardia com a mesma distância apática. A generosidade e a vileza como se de características neutras se tratassem. Neste filme, o confronto entre o bem e o mal morais não é resolvido pelo cinema. É o espectador, com a sua particular ordem de valores, na comodidade ética do seu sofá que acaba por desempatar. Na altura em que o filme saiu, houve quem o qualificasse de antiamericano e anticapitalista (é ao serviço de uma companhia petrolífera americana que estes homens, em condições impiedosas, arriscam a vida). Mas não se trata de nada disso. O filme é - como é também The Treasure of Sierra Madre, de John Huston - um cruel tratado sobre a natureza humana. Não é antiamericano nem anti coisa nenhuma. É o que somos. Ou tudo aquilo que podemos escolher ser.