4.3.07

My own private Babel

Paris, Nova Iorque, anos 70. Pelas ruas circulam judeus, nazis, manifestantes antipoluição, um esquerdista voluntarioso que quer escrever uma tese sobre McCarthy e correr a maratona, e uma "suíça", gira, que acaba na cama com ele. Outra vez Paris, anos 50. Quatro prisioneiros recebem um novo companheiro de cela e ponderam contar-lhe o plano que têm para fugir da prisão. Tóquio (ou outra qualquer cidade no Japão). 1999. Um homem de cinquenta anos, viúvo, pretende voltar a casar. Com a ajuda de um amigo, simula um casting a fim de conhecer mulheres das quais escolherá uma para ser sua. Três pontos de partida para três filmes de géneros bem diferentes: thriller político, filme prisão e filme vingança com toques de fantástico e gore. John Schlesinger, Jacques Becker e Takashi Miike. Marathon Man, Le Trou e Audition.

O thriller político feito na américa de finais dos anos 60/70, por cineastas liberais, como John Schlesinger, Alan J. Pakula (All the President's Men, The Parallax View), Sydney Pollack (The Three Days of the Condor), Fred Zinneman (The Day of the Jackal) ou John Frankenheimer (The Manchurian Candidate, Seven Days in May). Filmes para adultos, plot com pés e cabeça, heroísmo minimal, moral seca, interpretações contidas - longe, muito longe, do tantas vezes cansativo método stanislavsky.

O cinema realista francês off-nouvelle vague, de que Le Trou é paradigma (Jean-Pierre Melville é outro autor muito cá de casa), com cuidado no detalhe, quer físico quer psicológico, ausência de música (de fundo ou outra), ritmo só aparentemente lento da acção. Le Trou é daqueles filmes que nos conquista sem percebermos bem como. Pouco tempo depois de começar, somos possuídos pela sensação de estar dentro daquela cela, com aqueles homens, a escavar o buraco e o túnel que os levará (?) à liberdade. É um filme que se vê de dentro da acção. Daí a sua intensidade dramática. Nós não conhecemos os prisioneiros; nós somos os prisioneiros. E é por isso que queremos que tudo (nos) corra bem.

Do Japão, de Taiwan, da Coreia, de Hong Kong, vem muito do que de melhor se faz hoje em cinema. A infantilização e a correcção política, por um lado, e o pedantismo arthouse por outro, ainda não chegaram ao extremo oriente cinéfilo. Ou, pelo menos, não são exportados de lá para cá. Audition é um filme que me faz lembrar Philip K. Dick. Premissas perfeitamente admissíveis, para situar quem segue a história numa realidade que lhe é de algum modo familiar: um homem mais velho quer voltar a casar, nada mais natural. Esse homem forja um esquema para conhecer mulheres, nada mais natural. Um homem conhece uma mulher, é a história de sempre a repetir-se. E daí partimos para um outro mundo (ou não), para um pesadelo (ou não), onde permanece o homem normal, com vícios e aspirações normais, mas agora imerso num cenário de terror e sadismo quase inumano; quase, porque a mulher, ao que se sabe, ainda é humana. Ao pé daquilo que Eihi Shiina faz a Ryo Ishibashi, os dentes arrancados por Sir Laurence Olivier a Dustin Hoffman não passam de um beijo na boca. É grande a dúvida sobre o universo onde entretanto se passa a situar o filme. São dadas pistas em sentidos divergentes: pode ser um sonho, pode ser realidade; pode ser um sonho dentro de um outro sonho. No fim, fica a incerteza e a perplexidade. O que é bom - pois o cinema é também para gozar depois da sessão.