15.4.07

Badlands

O western é de todos os géneros cinematográficos aquele que melhor serve para especular sobre os comportamentos humanos. Numa terra sem lei, ou à procura dela, o homem sente-se livre para agir segundo os seus instintos. Instintos que vão desde a simples sobrevivência até outros mais sofisticados, como a generosidade ou a maldade ou a vingança. Os westerns clássicos (Ford, Hawks, Huston) acentuavam os bons sentimentos, os bons instintos, a integridade ético-moral do herói que num ambiente propício à corrupção acabava por escolher o lado bom, ainda que para tal tivesse que usar a violência e o mal. Os fins - e as circunstâncias hostis - acabavam por jutificar os meios. A violência do western é uma violência com sentido. Nessa medida, é uma violência respeitável. Sam Peckinpah foi mais longe e tratou-a não só com respeito mas com sentido estético. A violência, porque sustentada num código de valores, passou a ser glorificada. Ética e plasticamente glorificada.

Tudo isto para chegar a The Proposition (2005), um western passado no Outback australiano, em finais do século XIX, escrito pelo grinderman Nick Cave e realizado por John Hillcoat. O filme começa, à boa maneira de Peckinpah, com um tiroteio infernal, na sequência do qual o xerife inglês, Morris Stanley, captura dois dos três irmãos envolvidos no brutal assassinio de uma mulher grávida. Em vez de os enforcar como manda a lei, resolve fazer-lhes uma proposta: um fica detido e o outro é solto com a obrigação de trazer, vivo ou morto, o terceiro irmão, verdadeiro responsável material pelo crime. Se cumprir, os dois são libertados; se não, o irmão preso é executado, nove dias depois. É Natal. Stanley Morris quer civilizar a Austrália. Acha que é mais importante punir o responsável do que matar apenas para dar o exemplo. A sua mulher, Martha, serve chás no deserto em serviço de porcelana inglesa. Mas a Austrália não está para ser civilizada e a comunidade reaje à iniciativa de Morris, hostilizando-o. O filme é fabuloso. A planície australiana, com os seus "grandes espaços", a fazer a vez de Monument Valley. Um aterrador John Hurt, a representar como se se tratasse de Shakespeare. Milhares e milhares de moscas a pousar em tudo o que existe. Poeira e lama. A cabeça de um aborígena pelos ares. O canto do nómada e a canção do carrasco. Uma terra selvagem, povoada por selvagens, que agem selvaticamente por instintos. De vingança, de sadismo, se sobrevivência e de mimetismo. No meio disso, um homem que tenta racionalizar o seu instinto de justiça. E no fim, como também já não se usa, um final trágico. Trágico e aberto, para mais tarde especular.