30.9.07

Rio sem regresso

Nas primeiras imagens, a neblina espalha-se pelas montanhas e selvas do Novo Mundo. Em fila indiana, lamas, soldados e escravos, carregando às costas com canhões e donzelas, avançam em busca do El Dorado. É a expedição de Pizarro, a descer os Andes, tal como Werner Herzog a pensou e filmou em Aguirre, a cólera dos deuses, ou o mais onírico e fantasmagórico dos filmes.

Segundo reza a História, Ian Curtis ter-se-á suicidado depois de rever Stroszek, do mesmo Herzog. Aguirre não dá para isso. Klaus Kinski é um explorador exemplar. Com o seu ar alucinado, longe do Actors Studio, busca a imortalidade. Para ele, a morte só é admissível após cumprir a missão. E uma vez cumprida a missão não haverá morte capaz de o matar. Aguirre é um totalitário e um louco porque não admite recuos racionais perante a lucidez da (sua) vontade. Se, em 18 de Maio de 1980, Ian Curtis tivesse visto Aguirre, mesmo sem El Dorado à vista, em vez de suicidar-se teria eliminado, um a um, todos os seus companheiros dos Joy Division.

Em muitas medidas, este filme antecipa Apocalypse Now. Lá está o rio e o seu curso como desígnio. Lá está a selva, e os seus perigos, como ameaça. Lá está a insanidade como processo de descoberta. E lá estão os fantasmas e os sonhos, no fim, como escape. "I watched a snail crawl along the edge of a straight razor. That's my dream. That's my nightmare. Crawling, slithering, along the edge of a straight razor ... and surviving", dizia o Coronel Kurtz perdido no seu labirinto. Ou, como disse uma das personagens de Aguirre, agarrada à perna cravejada de flechas: "isto não é uma jangada. Aquilo não é uma floresta. Isto não é uma flecha. Nós só imaginamos flechas porque as tememos ...".