31.3.07

Cygnet Committee*


(* Do meu tempo. De um tempo que já não foi o meu. De um tempo que, aliás, nunca existiu)

30.3.07

Based on a true story

Era um vez um homem tão calculista, tão calculista, que passou pela vida sem cometer qualquer erro. No fim, constatou que também não havia tomado qualquer posição. Era uma vez um homem tão cobarde, tão cobarde que passou pela vida sem tomar qualquer posição. No fim, ...

Uma cerveja no Inferno

Em Le Salaire de la Peur (1953), de Henri-Georges Clouzot, quatro homens são encarregues de transportar dois camiões carregados de nitroglicerina através dos caminhos acidentados de um qualquer país da América do Sul. Fazem-no por dinheiro ou porque não se importam de morrer. Depois de um prólogo de quase uma hora em que se sucedem as cenas de antologia, começa a viagem: quatro homens, dois camiões e uma carga mortal ao primeiro percalço. E depois chegam os vícios e virtudes humanas. Todas as misérias e grandezas. Todos os rasgos e acanhamentos. Só que Clouzot filma a coragem e a cobardia com a mesma distância apática. A generosidade e a vileza como se de características neutras se tratassem. Neste filme, o confronto entre o bem e o mal morais não é resolvido pelo cinema. É o espectador, com a sua particular ordem de valores, na comodidade ética do seu sofá que acaba por desempatar. Na altura em que o filme saiu, houve quem o qualificasse de antiamericano e anticapitalista (é ao serviço de uma companhia petrolífera americana que estes homens, em condições impiedosas, arriscam a vida). Mas não se trata de nada disso. O filme é - como é também The Treasure of Sierra Madre, de John Huston - um cruel tratado sobre a natureza humana. Não é antiamericano nem anti coisa nenhuma. É o que somos. Ou tudo aquilo que podemos escolher ser.

29.3.07


Levado pela estimulante epígrafe da Wire ao artigo sobre o novo Nick Cave, voltei a ouvir No Pussyfooting (1973), de Robert Fripp e Brian Eno, e posso garantir três coisas: 1) já não se fazem duplas assim; 2) sob a guitarra eléctrica, a praia; 3) a monotonia é um prazer fetichista.

27.3.07

Pessimismo

Identifica-se (e bem) a direita com o pessimismo antropológico. A desconfiança em relação à natureza humana e o descrédito numa suposta bondade inata. Mas isso não significa que o direitista seja um ser resignado. O pessimismo antropológico não é uma ideia determinista, mas sim um ponto de partida para tudo o resto. Curiosamente, é Gramsci, comunista e antifascista, quem melhor define o meu pessimismo: pessimista pela inteligência, optimista pela vontade. Pessimista na razão, optimista na acção.

As boas ideias

Não há nada pior para as boas ideias do que serem defendidas por um filho da puta.

23.3.07

The snob cheat sheet for confusing similarities

World on String/Word on a Wing/Wild is the Wind

18.3.07

No Pussyfooting with The Wild Bunch


No pussyfooting with Nick Cave's wild Bunch

Old, weird America (revisited)

Harry Everett Smith nasceu no dia 29 de Maio, em Portland, Oregon, na região do continente americano também conhecida por Pacific Northwest. Nasceu numa família pobre mas civilizada. A mãe, que dava aulas numa reserva índia, julgava-se uma Czarina russa e cantava canções irlandesas. O pai trabalhava para uma companhia de conservas e cantava cowboy songs. Pai e mãe viviam em casas separadas e encontravam-se apenas à hora do jantar. Ao longo da vida, Harry Smith fez um pouco de muita coisa: estudou antropologia em Seattle; ajudou a construir bombardeiros, durante a guerra, na Boeing; apresentou um programa de rádio em Berkley; fumou erva; pintou murais em São Francisco, ao som de Dizzy Gillespie, e quadros em Nova Iorque, com uma bolsa do Guggenheim; foi grande amigo de Allen Ginsberg; realizou filmes, escreveu poemas, estudou a Cabala e conviveu com modernistas e expressionistas do Lower East Side; viveu no Chelsea Hotel; morreu no Chelsea Hotel. E, desde o dia em que ganhou o seu primeiro dinheiro até ao último da sua vida, coleccionou milhares e milhares de discos, sobretudo 78 rotações, de todos os géneros da música popular americana, a partir dos quais ergueu aquela que é a sua obra para a posteridade.

A Anthology of American Folk Music, editada pela primeira vez em 1952, é muito provavelmente a mais importante e influente compilação de canções de toda a música popular. São seis discos (mais tarde passaram a oito) com um total de 84 (112) temas, gravados entre 1926 e 1932, e divididos em três capítulos - Ballads, Social Music, Songs - que retratam inúmeros géneros da música popular americana, do cajun ao ragtime, do honky tonk ao bluegrass, do hillbilly aos espirituais. É a fonoteca de Babel da música pop. A verdadeira "old, weird America" de que falava Greill Marcus. Que subsiste, por via dos pais que ouviam os avós que ouviam os bisavós, na música de todos aqueles que por ela se deixaram encantar, dos Dylans aos Becks aos Sringsteens, Caves, Grindermen e companhia.

Acaba agora de sair The Harry Smith Project: The Anthology Of American Folk Music Revisited, uma homenagem a Harry Smith pensada e organizada por Hal Willner, um produtor especializado em tributos, com música do baú smithiano tocada e cantada por gente como Elvis Costello, Wilco, Sonic Youth, Beth Orton, David Thomas, Richard Thompson ou Van Dyke Parks. Nem de perto nem de longe ao nível da matéria prima de que se alimenta. Mas, ainda assim, um óptimo disco. Para fans da Old, Weird América. Ou da América, simplesmente.

17.3.07

13.3.07

Um bom epitáfio é meio caminho para uma grande vida

Malcolm Lowry
Late of the Bowery
His prose was flowery
And often glowery
He lived, nightly, and drank, daily
And died playing the ukelele.

12.3.07

a whole climate of opinion (2)


Porque é que, na publicidade, a mulher é tantas vezes usada como objecto sexual?
Porque vende.

11.3.07

Seis nações (4.ª jornada)


Ainda há esperança. Para isto e para o que de facto interessa.

9.3.07

De esquerda

Pois, eu também prefiro mulheres de esquerda. Mas só para programas de esquerda.

a whole climate of opinion

Uma das expressões inglesas de que mais gosto é "climate of opinion". Significa qualquer coisa como o ambiente intelectual ou público-opinativo de uma determinada época ou momento histórico - para exemplificar, pode dizer-se que, nos anos sessenta, o climate of opinion era bastante libertário. Mas onde a expressão adquire o seu sentido mais espantoso, é num poema de W. H. Auden, sobre Freud, que passo a citar: (...) for one who'd lived among enemies so long:/ if often he was wrong and, at times, absurd,/ to us he is no more a person/ now but a whole climate of opinion (...)

História trágico-marítima

'A woman has ten claws,'
Sang the drunken boatswain;
Farther than Betelgeuse
More brilliant than Orion
Or the planets Venus and Mars,
The star flames on the ocean;
'A woman has ten claws,'
Sang the drunken boatswain.

(Above 80º N.
)Philip Larkin, 1944

4.3.07

My own private Babel

Paris, Nova Iorque, anos 70. Pelas ruas circulam judeus, nazis, manifestantes antipoluição, um esquerdista voluntarioso que quer escrever uma tese sobre McCarthy e correr a maratona, e uma "suíça", gira, que acaba na cama com ele. Outra vez Paris, anos 50. Quatro prisioneiros recebem um novo companheiro de cela e ponderam contar-lhe o plano que têm para fugir da prisão. Tóquio (ou outra qualquer cidade no Japão). 1999. Um homem de cinquenta anos, viúvo, pretende voltar a casar. Com a ajuda de um amigo, simula um casting a fim de conhecer mulheres das quais escolherá uma para ser sua. Três pontos de partida para três filmes de géneros bem diferentes: thriller político, filme prisão e filme vingança com toques de fantástico e gore. John Schlesinger, Jacques Becker e Takashi Miike. Marathon Man, Le Trou e Audition.

O thriller político feito na américa de finais dos anos 60/70, por cineastas liberais, como John Schlesinger, Alan J. Pakula (All the President's Men, The Parallax View), Sydney Pollack (The Three Days of the Condor), Fred Zinneman (The Day of the Jackal) ou John Frankenheimer (The Manchurian Candidate, Seven Days in May). Filmes para adultos, plot com pés e cabeça, heroísmo minimal, moral seca, interpretações contidas - longe, muito longe, do tantas vezes cansativo método stanislavsky.

O cinema realista francês off-nouvelle vague, de que Le Trou é paradigma (Jean-Pierre Melville é outro autor muito cá de casa), com cuidado no detalhe, quer físico quer psicológico, ausência de música (de fundo ou outra), ritmo só aparentemente lento da acção. Le Trou é daqueles filmes que nos conquista sem percebermos bem como. Pouco tempo depois de começar, somos possuídos pela sensação de estar dentro daquela cela, com aqueles homens, a escavar o buraco e o túnel que os levará (?) à liberdade. É um filme que se vê de dentro da acção. Daí a sua intensidade dramática. Nós não conhecemos os prisioneiros; nós somos os prisioneiros. E é por isso que queremos que tudo (nos) corra bem.

Do Japão, de Taiwan, da Coreia, de Hong Kong, vem muito do que de melhor se faz hoje em cinema. A infantilização e a correcção política, por um lado, e o pedantismo arthouse por outro, ainda não chegaram ao extremo oriente cinéfilo. Ou, pelo menos, não são exportados de lá para cá. Audition é um filme que me faz lembrar Philip K. Dick. Premissas perfeitamente admissíveis, para situar quem segue a história numa realidade que lhe é de algum modo familiar: um homem mais velho quer voltar a casar, nada mais natural. Esse homem forja um esquema para conhecer mulheres, nada mais natural. Um homem conhece uma mulher, é a história de sempre a repetir-se. E daí partimos para um outro mundo (ou não), para um pesadelo (ou não), onde permanece o homem normal, com vícios e aspirações normais, mas agora imerso num cenário de terror e sadismo quase inumano; quase, porque a mulher, ao que se sabe, ainda é humana. Ao pé daquilo que Eihi Shiina faz a Ryo Ishibashi, os dentes arrancados por Sir Laurence Olivier a Dustin Hoffman não passam de um beijo na boca. É grande a dúvida sobre o universo onde entretanto se passa a situar o filme. São dadas pistas em sentidos divergentes: pode ser um sonho, pode ser realidade; pode ser um sonho dentro de um outro sonho. No fim, fica a incerteza e a perplexidade. O que é bom - pois o cinema é também para gozar depois da sessão.

3.3.07

Prison break ?

2.3.07

Morricone B e Z (II)



Um western spaguetti ou um melodrama erótico, um policial manhoso ou um giallo, um Lucio Fulci ou um Samuel Fuller, quase todos de baixíssimo orçamento, tanto fazia, pouco interessava. Durante anos, Enio Morricone foi aceitando todo o trabalho que lhe era proposto, ao ponto de ser hoje autor de quatrocentos e tal bandas sonoras para filmes dos mais variados géneros e sub-géneros cinematográficos. Variedade a que responde, na sua sua música, com uma não menor diversidade de sons - os sons de que é feito o som Morricone: guitarras distorcidas e música concreta, percurssões africanas e gemidos ofegantes, arabismos psicadélicos e ritmos afunkalhados, bop e pop, cordas e coros, Miles Davis e Gil Evans, crime e dissonância. São dezenas e dezenas de discos. Este, compilado por Mike Patton e recomendado por John Zorn, é apenas um pequena amostra. Quem quiser ir por aí afora tem muito onde gastar e bastante com que se entreter.