31.12.06

Happy Endings

Well, imagine it's a film & you're the star & pretty
Soon we're coming to the part where you realise that you should give your heart
Oh give your heart to me.
Now the orchestra begins to make a sound
That goes round & round & round & round & round & round & round & round & round again
And we kiss to violins.
Well some sad people might believe in that I guess
but we know better don't we?
We know all about the mess.
The aftermath of our affair is lying all around and I can't clear it away.
No. And d'you think that it's so easy to find?
Somebody who is just your kind?
Well it might take you a little time but I'm going to have to try.
Oh yeah I'm gonna try.
And I know no-one can ever know which way to head
But don't you remember that you once said that you liked happy endings?
And no-one can ever know if it's going to work
But if you try then you might get your happy ending.

Jarvis the Cocker

Tiago Galvão apanhado em flagrante enquanto fazia uma pausa na autobiografia da Mena Mónica



Parabéns para para ti também.

2006 - cinema, televisão, video

Uma História de Violência, porque qualquer Cronenberg - com excepção do pueril e bocejante Existenz - é filme do ano. A Lula e a Baleia, porque consegue, na senda de Wes Anderson, fazer dos anos 80 uma estética com estética. Nip/Tuck III, porque é a única série possível que mete bloco operatório. E mais: porque consegue conciliar várias leituras e vários géneros, numa mistura de Mondo Cane - o documentário grotesco dos anos 60 em que se mostram as maiores bizarrias, taras e perversões - com Começar de Novo, uma série para donas de casa sobre "o divórcio no mundo contemporâneo". Episódios como aquele em que uma velha de 150 quilos fica colada a um sofá de onde não se levanta há anos, ou um outro onde a dupla Troy/McNamara descobre um feto morto esquecido no útero de uma mulher há mais de uma décadade, são especialmente recomendáveis. Lost, porque a ilha é cozy, tem comida e bebida em abundância, um abrigo com discos vinil dos Steely Dan, um místico chamado John Locke, uma selvagem chamada Rousseau, e ainda ninguém os encontrou. Miami Vice, porque Michael Mann é um "autor", e os autores ficam sempre bem nestas listas de fim de ano. The Departed, porque, tirando o final demasiado clever, é Scorsese vintage, com personagens densas, tiros à queima roupa e sovas de meia noite. De resto, fartei-me de comprar DVDs que não vi de filmes que já conheço, sobretudo "clássicos" - Peckinpah, John Sturges, Arthur Penn, Richard Fleicher -, gostei muito de Old Boy (Chan-woo Park) e muitissímo de Days of Being Wild ( Wong Kar-Wai).

28.12.06

Músicas 2006 (III) the rest of the best



Yellow House (Grizly Bear); A Tom Moulton Mix (Tom Moulton et al); The Letting Go (Bonnie Prince Billy); The Sun Awakens (Six Organs of Admittance); Islands (Koop); It's A Feedelity Affair (Lindstrøm), com a fabulosa homenagem a Giorgio Moroder I Feel Space; Conference of the Birds (Om); Tokyo solo e CCB trio (Keith Jarrett); Neil Young & Crazy Horse no Fillmore East e Neil Young & friends em Heart of Gold, de Jonathan Demme, um filme que põe a chorar o mais selvagem entre mil; a compilação dos trinta anos da Rough Trade, um labour of love para quem ainda gosta de lojas de discos.

27.12.06

Raging Bull

James é Brown é conhecido como o avô da soul, mas o epíteto peca por redutor. James Brown foi mais que isso. Foi, é - e continuará a ser enquanto uma guerra nuclear não varrer os seus discos da Terra - o responsável por grande parte da música pop dançável dos últimos e dos próximos trinta anos. Nasceu na Carolina do Sul, ao que se sabe na Primavera de 1933, quando o algodão começava a crescer. Já em Atlanta, juntou-se aos Starlighters para cantar gospel; mudou-se depois para o Rythm n Blues e, com Night Train, inspirou alguns dos grupos jamaicanos que viriam a ficar para a posteridade, como os Skatalites ou os Melodians. Mais tarde, em 1968, gravou Live at the Apollo, uma das quatro ou cinco obras-primas absolutas da soul; inventou o funk no dia em que compôs Get Up I Feel Like Being a Sex Machine; e emprestou os ritmos e a voz para centenas de samples de quatro gerações de hip-hoppers. James Brown foi também um trabalhador infatigável. Disciplinado e disciplinador. A sua música, a partir de dada altura, é espelho dessa disciplina: ritmos persistentes, linhas de baixo rigorosas, palavras, verbos e gemidos repetidos até quase à exuastão. Foi por aí que, em Detroit, nos anos 90, nasceu a tecno - uma tentativa de tocar James Brown em computadores baratos. Não será exagero dizer-se que James Brown deu o kick off e influenciou de modo decisivo inúmeros géneros e subgéneros da música pop. A sua música tanto está no disco sound do Studio 54 e do Gallery, como na Madchester dos Primal Scream de Screamadelica, como nos Club Classics dos Soul II Soul, como no apartamento de Chelas de Sam the Kid.

James Brown é ainda o exemplo do sonho americano. O negro que nasce sem nada e, à custa do esforço e do trabalho, sobe até ao topo do mundo. De I'm black, I'm proud até Living in America, com drogas, miúdas pancada e prisões, pelo meio. Qual touro enraivecido.

26.12.06

The Godfather's gone but he's not forgotten


James Brown, 1933-2006.

22.12.06

In the Mood para o Natal

Este é um daqueles dias perfeitos. Frio seco. Muito Sol. A malta a querer despachar os presentes e as comidas para o Natal. Já ninguém tem cabeça para trabalhar, nem para pedir trabalho, nem para chatear os que deviam ter feito o trabalho que deixaram por fazer. É véspera de fim-de-semana grande. Há festas e jantaradas programadas. Há ressacas para passar em casa a olhar para a lareira ou para o aquecimento central. De repente, apetece estar com todas as pessoas com quem não foi possível estar, ler todos os livros que não foi possível ler, ver todos os filmes, dormir todas as sestas. Há, pois, que aproveitar. O Natal não é quando um homem quer. E - foda das fodas - o calendário da depressão começa já daqui a dez dias.

In the Mood for Otis

In the Mood for Junior Boys

Mais discos 2006

Conscious Of My Conscience, de Womack & Womack, nos discos de Henrik Schwarz e Rui Murka, com vantagem para este último onde aparece em sequência perfeita com Chicago de Roy Ayers; Pop Dell'Arte POPlastik; coisas antigas e coisas inéditas dos Tortoise, na caixa A Lazarus Taxon; Joanna Newsom com Ys e ouvidelas mais atentas de The Milk-Eyed Mender; a versão de I Shall be Released de Marion Williams, na colectânea Soul Gospel dos pop snobs da Soul Jazz; a discografia quase completa dos Grandaddy, um grupo absurdamente subvalorizado, melhor que Mercury Rev e tão bom como os Flaming Lipps de Soft Bulletin; reedições de My Life in the Bush of Ghosts e Metal Box; Made in Sheffield, quanto mais não seja por Being Boiled dos Human League; It's too late, de Chuck Willis/Otis Redding, em Gone de Kanye West - o disco do ano passado mais ouvido neste; So This is Goodbye, Junior Boys; Crazy Price (Messer Chups), o série Z do ano; Nurse with Wound, a midnight music do ano;

19.12.06

Lost highways



Two-Lane Blacktop, de Monte Hellman, é um dos clássicos de culto mais procurados em DVD. Só para dar uma ideia, nos usados da amazon está a $154. A história resume-se em três palavras: estrada, estrada, estrada. Ou seja, ausência de história e, praticamente, ausência de diálogos. Two-Lane Blackdrop é um Easy Rider para pessoas com bom gosto. Enquanto o filme de Dennis Hopper (de 1969) rapidamente se tornou datado, cabotino e maçador, o de Monte Hellman (de 71) conserva a vivacidade dos filmes que inauguram (mesmo sem inaugurar) um género. O road movie puro é Two-Lane Blackdrop. Sem mensagens subliminares e sem apologias de coisa nenhuma, nem sequer da vida on the road. Apenas a contemplação silenciosa da paisagem à passagem dos quilómetros. Muitos anos mais tarde, Vincent Gallo fez Brown Bunny. Goste-se ou não - e aqui ambas as teses são defensáveis - uma coisa é certa: dificilmente o teria feito se não tivesse visto um dia Tow-Lane Blackdrop.

15.12.06

Blogs 2006

A Causa foi Modificada, do obtusamente bom Armando Madeira. A dose diária de Cavaco (Voz). A persistência do Ricardo Gross em falar de David Sylvians, Harold Budds e Brian Enos, quando a malta quer é saber do último dos Strokes. Os almoços, jantaradas e festanças da Atlântico e do 31 da Armada. Os arquivos do Homem a Dias.

14.12.06

Livros 2006 (I)

Hay-on-Wye em contra relógio. Encontrar uma primeira edição inglesa de At the Mountains of Madness (Lovecraft), e não hesitar comprá-la. O Deserto dos Tártaros (Buzatti). Break, Blow, Burn (Camille Paglia). A introdução de Harold Bloom para a edição dos 150 anos de Leaves of Grass. Rod Liddle e Paul Johnson na Spectator.

12.12.06

Isso nunca acontece

Gosto de Samuel Fuller por imensas razões: os grandes planos, o individualismo, a fisicalidade das personagens, o modo como transporta para o lado de cá do ecrã sensações como frio, calor ou falta de ar, fazendo com que o espectador sinta frio, calor ou falta de ar. E depois gosto dos seus mandamentos, como este sobre os filmes de guerra: "Nunca deixar um G.I. morrer com a fotografia da namorada na mão. Isso nunca acontece"

Músicas 2006 (I)

November Rain (Guns n Roses), num taxi entre Chelsea e Washington Square. Buda Machine. Space (Rafael Toral). I Thought (Brian Ferry/Brian Eno), à saída de Vila Real de Santo António em direcção a Sevilha, a melhor música de sempre deste ano. We Shall Overcome (Springsteen). Kosmischer Pitch (Jan Jelinek) ...

8.12.06



(Bem lembrado pelo Nuno)

Esta imagem é do melhor filme sobre o assunto - Tora!Tora!Tora!, Richard Fleicher/Kinji Fukasaku, 1970 - e deu um trabalhão a conseguir.

7.12.06

6.12.06

Sketch do Paulo Bento (parte dois)

A mesma coisa mas substituindo "tranquilidade" por "intranquilidade".

5.12.06

Sácha barão côa

O que mais me chateia em Borat, é ainda não ter ouvido um portuense com sotaque cerrado a dizer quem é o actor.
- Oube lá, quem é aquele que faz de Borat?

4.12.06

Os Yo La Tengo têm ...

Os Yo La Tengo têm jeito para antecipar as ondas. Nos últimos anos, amoleceram e começaram a gravar discos para bares em fim de Verão, o que - esclareça-se - não é necessariamente mau. Mas também não é especialmente entusiasmante. E, sobretudo, não é certamente único. O que não falta por aí são Nouvelles Vagues e afins para ouvir como música de fundo enquanto se tenta dormir a sesta.

Aquilo em que os Yo La Tengo são mesmo bons – aquilo em que são a melhor banda subvalorizada do mundo - é a fazer barulho. O bom barulho do rock n roll. Aquele que começa por soar dissonante, e ao fim de uns minutos - depois de feita a separação mental entre linha de baixo, batida nos pratos e riff de guitarra -, acaba a soar como música celestial. Da boa - melhor que Mozart, melhor que Bach.

Graças a Deus, em concerto, os Yo La Tengo tocam mais alto que easy listning. Têm a densidade dos Velvet, a energia dos Stooges e a fluidez dos Beach Boys. São a genuína banda coast to coast. Em algumas músicas, Georgia Hubley dá ares de Nico. Noutras, Ira Kaplan manobra a guitarra com a destreza de um Joe Satriani bêbado de Red Bull. E em quase todas, James McNew é aquele gajo grande e gordo, hiper-cool, que dedilha a corda do baixo com o grau de delicadeza recomendável a quem faz um fingerjob, pela primeira vez, à amiga da irmã mais velha.

Aqueles que não foram vê-los ao vivo perderam uma óptima oportunidade para elevarem a alma. Enfim, como em tudo, é uma questão de prioridades.

29.11.06

Tem que ser

28.11.06

Nota mental

Quem tem um bom cleavage não precisa de um grande decote.

24.11.06

Stónes


Festa de lançamento do blog 31 da Armada, hoje, pela meia noite, no Stones. Diz que o Rod Stewart vai.

Debaixo do vulcão

E o Autumn Leaves, e aquela interpretação do The Thrill is Gone?

A ideia de estar sentado numa cadeira confortável, ao lado de uma mulher inteligente, a ter conversas impecáveis sobre mundanidades, longe das mundanidades, a anos luz das mundanidades, na coxia da plateia, minutos antes de um concerto pela melhor voz femenina do mundo a cantar os blues, que por absurdo é apenas adorada por góticos e por góticas, que enchem a sala, que afugentam as pessoas conhecidas, que de qualquer forma nunca lá estariam, debaixo do vulcão, foi uma ideia genial.

23.11.06

Major turn off

Uma ONG sugere, para dia 22 de Dezembro, um "orgasmo global sincronizado pela paz no mundo". Um orgasmo global sincronizado pela paz no mundo?

(via Fato)

22.11.06

- O melhor filme de Robert Altman?
- McCabe & Mrs Miller.

20.11.06

15.11.06

Bondofilia aguda

Via Noite Americana, tomo conhecimento da lista das melhores Bond Girls.

Carole Bouquet merece mais que um décimo lugar. Primeiro, porque conseguiu, em 1981, início da década mais feia de sempre, fixar um padrão de qualidade estética raríssimas vezes superado nos anos que se seguiram. Depois, porque tem muitas das qualidades que o Rui Branco exige - desde logo, o facto de o seu móbil não ser altruista. Está-se nas tintas para o mundo e quer apenas vingar a morte dos pais. Finalmente - argumento decisivo -, porque em 1981, quando vi For Your Eyes Only pela primeira vez, salvo erro no centro comercial de Alvalade, tinha oito anos. E, como é sabido, as imagens que vemos aos oito anos marcam-nos para sempre.



Não acho bem que Maude Adams, Bond Girl em Octopussy, seja atirada para a lista das dez piores de sempre. Ao contrário do que diz a Entertainment Weekly, o seu desempenho teve momentos arrebatadores e originais. Como, por exemplo, aquele em que diz: Oh, James ... antes de se entregar nos braços de Roger Moore.

E Lois Maxwell, onde é que está Moneypenny? Ok, tecnicamente não é uma Bond Girl. Mas, bem vistas as coisas, de Dr. No a View to a Kill, acaba por ser muito mais que isso: uma expectativa sempre (bem) defraudada da melhor Bond Girl, da melhor Bond Woman, da melhor Bond Milf e da melhor Bond Granny.

14.11.06

Parem as máquinas

E as discussões sobre Sócrates, o Estado, a América e o mundo.

Neil Young & Crazy Horse Live at the Fillmore East. Sai hoje.

13.11.06

Jarrett's in the house

Depois do alarmista (mas bom) artigo do Expresso, sentia-se alguma tensão no ar. As pessoas estavam com medo de tossir, de espirrar, de gemer, de arrotar, de emitir um qualquer ruído que pudesse servir de pretexto a Keith Jarrett para fazer uma das suas míticas cenas e deixar o Mega Ferreira à beira do colapso. Talvez por isso, nos minutos que antecederam a entrada dos músicos em palco, sucederam-se as tossidelas forçadas, como se não houvesse amanhã para libertar o eventual escarro entalado na garganta. A tal ponto que, das galerias, alguém às tantas gritou: “Foda-se, vamos a calar, caralho!”.

Bom, não foi exactamente assim. Mas o facto é que, passada a tosseira, a populaça lá se calou, as luzes lá se apagaram, e Keith Jarrett, no meio de um silêncio reverencial, entrou, fez uma vénia oriental, sentou-se e começou a tocar.

E tocou muito: das baladas ao boogie woogie, dos blues ao ragtime, do american songbook ao be bop, passando por aqueles tour de force abstractos que fizeram e fazem a sua glória a solo. Keith Jarrett, já se sabe, é um virtuoso. Mas o que o torna genial é a capacidade de contextualizar a prodigiosa técnica que tem com a memória da música americana (e ocidental), para daí, súbita e desenfreadamente, partir para outras - até então - inalcançáveis paragens.

No meio disto, Gary Peacock (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria) são apenas a sua (competentíssima) secção rítmica. Marcam o tempo e traçam a estrada onde o génio se passeia e da qual por várias vezes se desvia. Num ou noutro momento, lá vão tendo direito ao seu solo (ontem, Peacock foi favorecido), sempre contido e subjugado ao quase absolutismo do piano. Talvez por isso, como trio, ache superior Bill Evans com Scott Lafaro e Paul Motion. É mais equilibrado, mais justo, mais clássico. Mas, como música liberta de todas as grelhas epistemológicas, prefiro Jarrett. Com os seus improvisos, massaja melhor aqueles pontos da alma que ficam meses e meses sem se ex(er)citarem.

10.11.06

1, 2, 3 discos


Ys (Joanna Newsom): muito melhor que o primeiro The Milk-Eyed Mender. A voz de Joanna Newsom cresceu, ampliou, desagudizou, está menos histriónica e menos bushista (de Kate Bush). As orquestrações de Van Dyke Parks e a gravação de som quase analógica de Steve Albini fazem o resto.


Space (Rafael Toral): demasiado out e cerebral (tal como Tone Gardens do companheiro de luta Sei Miguel). Mas, ainda assim, à terceira ou quarta audição, brilhante. Minimalismo electroacústico; ruídos de estática; ausência total de melodia, harmonia, ritmo; apenas som e espaço entre o som. Uma espécie de Forbidden Planet made in Bairro Alto.


New York Noise vol. 3 (V/A): a verdadeira banda sonora de Nip Tuck.

8.11.06

Route 66

É por a América ser mais conservadora que a Europa, mas também muito mais liberal, que a sua política é infinitamente mais interessante que a europeia.

Moral majority reloaded

A esta hora ainda não há certezas sobre se os democratas ganham ou não as eleições. Seja como for, não haverá muitas razões para a esquerda europeia festejar. É que uma boa maioria dos candidatos democratas vencedores, quando avaliados à luz dos padrões vigentes na progressista Europa, mais parecem políticos de "extrema-direita". Da tal que, em questões "fracturantes" como o aborto e o same sex marriage, é apelidada de "dura".

Bloggerum patologicus (V)

- Coitada, enloqueceu.
- Porquê, ele abandonou-a?
- Não, deslincou-a.

Transcendentalista cínico

Ou aquele que não tem fé mas acredita.

3.11.06

The departed (II)

Allen Ginsberg é uma espécie de Walt Whitman em versão cínica. Em Footnote to Howl, Ginsberg qualifica de sagrado tudo aquilo que lhe ocorre. Holy, holy, holy. Everything is holy! Everybody's holy! Everywhere is holy! Da alma ao ecstasy; dos misteriosos rios de lágrimas que correm por debaixo dos passeios aos “cocks of the grandfathers of Kansas”; do tempo à eternidade, e desta como extensão daquele e deste como preenchimento daquela; e ao caminho-de-ferro, e à locomotiva, como símbolos da América, terra dos grandes espaços, que pelos homens foi sendo desbravada.

A supermarket in California - poema audível por quem tiver o som ligado - é mais uma das homenagens que faz ao seu principal inspirador. Ginsberg começa por descrever um encontro onírico, surrealista, real (?) com a pessoa ou o espírito de Walt Whitman, num supermercado, algures na Califórnia. Na primeira parte do poema, Ginsberg conta o que viu e ouviu de Whitman, do ponto de vista de uma testemunha invisível, ou visível que vislumbra o invisível. Até que às tantas, momentos antes das portas do super fecharem, momentos antes das “famílias inteiras” regressarem às suas casas, dirige-se directamente a ele, questiona-o e, de certa forma, coloca-se nas suas mãos: Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight? Os dois estão condenados a caminhar sozinhos, mas lado a lado, com Whitman a marcar o passo. Acima das vicissitudes do quotidiano. A confrontar os presentes e a conjecturar os futuros da América.

No fim, Ginsberg, com a ajuda da mitologia e aludindo também a Crossing Brooklyn Ferry, numa das mais bonitas interrogações da literatura, volta a afirmar a imortalidade de Whitman e da sua obra: como é afinal a América deste homem que, por não ter pago a moeda a Caronte (Charon), nunca chegou a passar para a margem dos mortos? Qual é, afinal, esta América que nunca chegou a ser tocada pelas águas do esquecimento?

The departed



A Supermarket in California

What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for
I walked down the sidestreets under the trees with a headache
self-conscious looking at the full moon.
..........In my hungry fatigue, and shopping for images, I went
into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
..........What peaches and what penumbras! Whole families
shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the
avocados, babies in the tomatoes!--and you, Garcia Lorca, what
were you doing down by the watermelons?

..........I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber,
poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery
boys.
..........I heard you asking questions of each: Who killed the
pork chops? What price bananas? Are you my Angel?
..........I wandered in and out of the brilliant stacks of cans
following you, and followed in my imagination by the store
detective.
..........We strode down the open corridors together in our
solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen
delicacy, and never passing the cashier.

..........Where are we going, Walt Whitman? The doors close in
an hour. Which way does your beard point tonight?
..........(I touch your book and dream of our odyssey in the
supermarket and feel absurd.)
..........Will we walk all night through solitary streets? The
trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be
lonely.

..........Will we stroll dreaming of the lost America of love
past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
..........Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher,
what America did you have when Charon quit poling his ferry and
you got out on a smoking bank and stood watching the boat
disappear on the black waters of Lethe?

Allen Ginsberg, Berkeley, 1955

31.10.06

30.10.06

Caetanista, sportinguista, invejoso

O concerto do Chico Buarque em Lisboa está para o caetanista, assim como uma (hipotética) final da liga dos campeões em que entre o Benfica está para o sportinguista.

23.10.06

Teaser II

Teaser

Van Dyke Parks, Steve Albini, Jim O'Rourke, Nick Webb, Bill Callahan ... Juntos e no estúdio.

O barulho é um bom barulho 1


O homem da máscara é Brian Chippendale. De nada.

Castigos corporais

Nada contra discutir o aborto. Desde que todo aquele que abusar de expressões como “hipocrisia”, “século XXI” ou “flagelo do aborto clandestino” seja prontamente açoitado.

Ainda Kléber

Mas a parte do programa de que mais gosto é aquela em que o porcino apresentador agarra o braço da sedutora e grita para o público em casa: “não é prostituta não! É atriz!”

Este senhor é um bom pastor

João Kléber (TVI, Fiel ou infiel) merece bem o ordenado que ganha. Roncar uivos de acirro ao softcore arrabaldeiro e minutos depois pregar a moral para sexagenárias gaiteiras, não é coisa ao alcance de qualquer um.

20.10.06

A Direita desunida jamais será vencida

Porque quando derem cabo de uma, haverá logo outra para tomar o seu lugar.

Separados à nascença (realpolitik)

Para acabar de vez com a cultura

É curioso (e preocupante) que, numa altura em que tanto se apregoa a nova geração “política” nascida no pós-vinte cinco de Abril, liberta dos preconceitos herdados do antigo regime e do PREC, sem “complexos de esquerda”, "sem vergonha de ser de direita”, haja cada vez mais gente a querer definir-se politicamente “à direita” por oposição (convicta ou oportunista - tanto faz) à própria “direita”. Não àquilo que é contingente na direita, mas ao que é substancial.

Os conceitos e as categorias foram inventados por serem úteis enquanto forma de definir e enquadrar factos e realidades. Não por mero capricho de exegetas do mundo e da vida. Se cada um pudesse definir a seu gosto aquilo que cada conceito significa ou as características significantes de cada realidade, a linguagem, a comunicação, a cultura, a civilização, seriam impossíveis. Reinaria o relativismo absoluto. E a lógica não passaria de um paradoxo.

Um estado de anarquia conceptual, onde cada um atribui às palavras o sentido que bem lhe apetece, é um estado bárbaro. Sem qualquer espécie de ordem e inteligência. Para quê as universidades, para quê as academias, para quê a transmissão do saber, para quê o saber, se, afinal, tudo é aquilo que cada um quiser que seja; se, consequentemente, ninguém pode saber ao certo o que cada coisa é.

Politicamente, as pessoas definem-se por aquilo que são, e não por aquilo que querem ser. Alguém é de esquerda ou de direita porque tem uma determinada visão do indivíduo, da sociedade, do Estado e da relação entre estas realidades. Não a visão grotesca e caricatural que por vezes é impingida na análise mediática do combate político. Não necessariamente – nem desejavelmente - uma visão perfeita e íntegra. Mas uma visão coerente entre os princípios essenciais em que acredita e as consequências que deles se retira. Não faz sentido – por exemplo – que alguém se diga defensor da propriedade privada e, na análise de uma situação concreta, dê razão ao Estado que expropria por “dá cá aquela palha”.

Dir-se-á que “esquerda” e “direita” são conceitos essencialmente culturais e históricos. E que, como tal, podem e devem ser revistos ciclicamente. Em algumas das suas características marginais, sem dúvida. Mas no que diz respeito à sua natureza, também ela histórica e cultural, não. Sujeitar a cognoscibilidade dos conceitos ao livre arbítrio revisionista de cada um, é impedir a comunicação.

O mundo humano é história, cultura e compreensão. O Homem é, sobretudo, memória transformada através da inteligência em conhecimento acumulado. Deitar para o lixo séculos de história e cultura, de conceitos que foram sendo construídos, depurados e assimilados, e que permitem a comunicação e o entendimento, “só porque agora me apetece ser original”, é deitar para o lixo a própria noção de civilização e por conseguinte - seja por niilismo conceptual ou por pura ignorância - regressar ao estado meramente animal de onde saímos.

19.10.06

Grandes argentinos

Gram, Durendal, Joyeuse, Excalibur.
Andam antigas guerras pelo verso,
Que é única memória. O universo
Semeia-as pelo Norte e pelo Sul.
Nas espadas persiste a ousadia
Da direita viril, hoje pó e nada;
E no ferro ou no bronze essa estocada
Que foi sangue de Adão naquele dia.
Gestas enumerei de tão distantes
Espadas cujos homens deram morte
A reis e a serpentes. Outra sorte
De espadas há, murais, sempre constantes.
Deixa-me, espada, usar contigo a arte;
Eu, que não mereci nunca manejar-te.

Espadas, Jorge Luis Borges, O Ouro dos Tigres, 1972.

Colectivo animal

16.10.06

Grandes argentinos

Sinónimos

As palavras são importantes. E para as palavras mais importantes não há sinónimos.

O melhor baixo do mundo (II)

(...) Metal Box does what Coltrane's A Love Supreme did for jazz and Sly and the Family Stone's There's a Riot Goin' On did for soul - it proved that the uncompromising cutting-edge could be made accessible, even catchy. The album also killed punk. (...)

O melhor baixo do mundo

A boa loja de discos é aquela que nos faz desistir de trazer para casa as (tantas vezes) dispensáveis “novidades”, e incita a comprar outra vez aquilo que já há muito possuímos. A Ananana é disso um bom exemplo. Fui lá, ver o que havia de novo, e acabei por comprar a Metal Box, o clássico disco dos PIL, numa pesada reedição em vinil.

Porque Metal Box é um daqueles discos que, ouvido num bom gira-discos, soa nitidamente melhor que em cd. O som - metálico como a caixa - ouve-se com uma amplitude fantasmagórica; a voz de John Lydon torna-se ainda mais aterradora; e o baixo - o melhor baixo do mundo - esmaga a atmosfera fazendo tremer as paredes.

15.10.06

Grandes portugueses - o bacalhau

Bloggerum patologicus (IV)

E um dia aconteceu aquilo que já há muito estava para acontecer: A. chegou a casa e encontrou mulher na cama com o blog. Com o seu blog.

Bloggerum patologicus (III)

Se eu fosse o meu blog tu não andavas comigo.

Bloggerum patologicus (II)

Como pessoa não presta. Mas o blog é muito bom.

Bloggerum patologicus

A. tem ciúmes do seu próprio blog, pois B. gosta mais deste do que de si.

F. tem um problema inverso: está furioso porque S. gosta de si, e entedia-se ao ler o seu blog.

13.10.06

David Thomas, o Estúdio, musicas novas e antigas

Philip Marlowe e Jim Thompson; baixo, bateria, guitarras, sintetizadores e theremin; ghost towns and lost highways – como se lê na Wire. O último disco dos Pere Ubu, com o romântico e ficcional título Why I Hate Women, é mais rock clássico que avant gard. David Thomas, fundador, líder, vocalista e essência do grupo, afirma mesmo: (..) that’s why I say that we are mainstream. It’s people like Eminem or Britney Spears who are the weird experimentalists. They are dealing with weird alternative worlds. If you put our view of the human condition alongside Britney Spear’s, one of them is extremely experimental and weird, and it’s Mrs. Spears. Ou seja, que os discos dos Pere Ubu reflectem mais fielmente o que se passa no estúdio, o que é tocado no estúdio, ao contrário de outros (os exemplos dados servem apenas para reforçar a sua afirmação) que são mais feitos pelo próprio estúdio do que por quem lá toca.

Exemplos britneyescos à parte, o Estúdio é hoje, como sempre foi, um enorme artista. Basta lembrar Pet Sounds, o Wall of Sound, as soundscapes de Brian Eno. Por maior que seja o talento do homem, sem o Estúdio, sem a manipulação do som que este possibilita, uma considerável parte da melhor música pop nunca teria existido.

Porque o Estúdio não rejeita épocas, correntes ou lugares. Foi usado sempre, por quase todas e em praticamente todo o lado. A pop negra americana, por exemplo, fartou-se de recorrer ao estúdio para depurar (primeiro) e inventar (depois) muitas das suas músicas (soul, funk, hip-hop). Marvin Gaye, os Temptations (período psicadélico), Steve Wonder, Gill-Scott Heron, George Clinton, De la Soul, tiveram no Estúdio e nas ferramentas que este foi fornecendo, mais do que uma ajuda, um co-autor das suas melhores obras.

Na música pop, o Estúdio é, pois, uma entidade fundamental. Mas ao mesmo tempo neutra. Tanto pode dar origem aos fenómenos grotescos mencionados por David Thomas, como ajudar a criar “weird alternative worlds” onde apetece por demais habitar. É uma questão de escolha. E escolha, graças a Deus, ao capitalismo e à Amazon - não necessariamente por esta ordem -, é o que não falta:

Entre o lixo feito pelo estúdio e as boas obras de Estúdio; entre estas e outras, também superiores, mas em que o estúdio serve apenas de local de gravação; como seja escolher entre os 78 samples de Three Feet High and Rising e os ritmos afunkalhados de Dub Housing; ou entre as orquestrações luxuriantes gravadas no estúdio de Kayne West e o rock cru, agreste, selvagem, ensaiado desde há quase trinta anos pelos Pere Ubu nas arrecadações e garagens de Clevland, Ohio, USA.

12.10.06

Pergunta do dia

Na hierarquia dos direitos, liberdades e garantias, onde é que fica a liberdade de circulação?

De qual?

Tempos houve em que o adorável grito "a culpa é do governo!" era dado na rua, pelas gentes sindicalizadas na CGTP e ala esquerda da UGT. Hoje, ao lado de Carvalho da Silva e da rapaziada da Fen Prof está o meu querido amigo Paulo Mascarenhas. Em parte, sou até capaz de concordar com o Paulo. Basta que consideremos "o governo", aquele que teve à frente Durão Barroso. Aquele que nem metade do pouco que este está a tentar fazer fez.

Guerra preventiva

É como cometer suicídio com medo da morte.

9.10.06

Na ressaca do "momento neocon" (II)

Na América, tal como em Inglaterra ou em qualquer outro país civilizado, existem várias direitas, todas elas com algo em comum, que as une e as caracteriza como “de direita”, mas também todas elas com inúmeros pontos de discórdia.

Um dos campos onde essas divergências se fazem sentir com maior intensidade, é o da política externa. Na América, para além dos neoconservadores, há pelo menos três outras grandes correntes com posições próprias sobre qual deve ser o papel dos EUA face ao resto do mundo: os conservadores realistas, os liberais internacionalistas e os nacionalistas Jacksonianos.

O Iraque foi – e ainda é – um excelente exemplo de como, no que respeita à política externa, nas direitas americanas, existem ideias diversas. Quem esteja atento à política americana, sabe que, antes, durante ou depois, nenhuma destas correntes se eximiu de apontar maiores ou menores críticas à forma como a presidência W. Bush justificou, iniciou e conduziu a guerra. Isto sem prejuízo de, "em tempo de combate", nenhuma ter negado o seu apoio ao exército americano.

A interpretação neoconservadora de conceitos como os de “guerra preventiva”, "excepcionalismo americano”, “hegemonia benigna” ou “intervencionismo democratizante”, foi e é severamente criticada à direita, por várias das direitas americanas.

Os conservadores realistas, na linha de Henry Kissinger, criticam o optimismo desmedido que os neocons colocam na ideia de “nation building”, e um certo utopismo com que, a pretexto da deposição de regimes hostis e da propagação da democracia pelo mundo, embarcam em irresponsáveis aventuras bélicas. Esta corrente, como o próprio nome indica, considera que o primeiro passo para a resolução dos problemas é o de perceber e aceitar a realidade tal como ela se apresenta. E só depois agir, com base no que a realidade é e não no que se gostaria que a realidade fosse. Desconfia, como é natural, daqueles que partem para a acção sustentados em pressupostos fantasiosos (mentirosos), optimistas ou voluntaristas, como alguns dos que estiveram na base da guerra do Iraque (adm, a crença de que a queda de Saddam bastaria para pôr em marcha um processo de democratização irreversível). E atribui um papel relevante à diplomacia e às alianças.

Já os liberias internacionalistas, seguindo a doutrina de Woodrow Wilson, criticam a forma como os neocons, no propósito positivo de tornar o mundo mais habitável, menosprezam e/ou desprezam o ordenamento internacional e as instituições supranacionais.

Por seu lado, os nacionalistas Jacksonianos, embora tenham começado por apoiar a invasão, à medida que esta se foi prolongando e que os seus custos começaram a pesar, tornaram-se ainda mais isolacionistas, voltaram a defender uma "América para os americanos", e acabaram a atacar W. Bush por este querer pôr o país “ao serviço do mundo”, desperdiçando recursos que, segundo eles, poderiam e deveriam ser gastos internamente.

Não interessa aqui tanto saber qual destas correntes é a mais respeitável (pessoalmente acho que a América tem um papel essencial no mundo, mas deve procurar sempre encará-lo de forma realista e nunca messiânica). Interessa, sim, saber que todas estas famílias existem e convivem dentro da direita americana, e que são distintas quanto à análise que fazem, quanto às perspectivas que propõem, quanto à hierarquização das prioridades, isto apesar de muitas vezes confluírem no objectivo final: a América como nação hegemónica e universalmente influente.

Por cá, no que respeita à política externa de Bush pós-Afeganistão e à guerra do Iraque, apenas foram “permitidas” duas posições: "contra" ou "a favor" – e ambas sem espaço para qualquer “mas”. Portugal é um país atrasado, pelo que se percebe que assim tenha sido. Revelando ignorância sobre os EUA e as suas correntes políticas, ou má-fé, uma boa parte da direita portuguesa encarou qualquer crítica à guerra do Iraque como uma manifestação de antiamericanismo (primário). Quem era contra a guerra só podia ser de extrema-esquerda, de esquerda ou – vá lá – de extrema-direita. Só podia ser pacifista, “bloquista”, fascista ou idiota.

Durante quase três anos, vigorou esta visão maniqueísta, propalada, em grande parte, por ex-marxistas e ex-trotskistas arrependidos. Nada de estranhar quando, afinal, na génese do movimento neoconservador – tal como na génese da educação política dos luso-neoconservadores de trazer por casa – está Marx, Trotsky e a crença num "regime moral" que tem de ser imposto a tudo e a todos, a bem ou a mal.

É, pois, com gosto, que finalmente vislumbro aquilo que parecem ser apreciações críticas feitas por gente de direita à presidência Bush e à doutrina neocon, sem que imediatamente sejam atiradas para o caixote do lixo. Algumas vindas de onde menos se esperava (embora a influência de Strauss na administração Bush seja, hoje, no mínimo, discutível). Bom sinal. A direita civilizada tende a ser individualista. Era uma pena que cá tivesse que alinhar toda pela mesma cartilha.

3.10.06

Psicadelismo – História concisa e ilustrada


De Syd Barrett a Captain Beefheart, passando por Rui Tavares*.

*numa belíssima chapa de Rita Carmo para o Blitz, tirada daqui.

Brasil (moral da 1.ª volta)

Lula crê em Deus. Mas Deus é brasileiro.

Observação borgiana por Jorge Luis Borges

Ou seja, o propósito de abolir o passado já ocorreu no passado e - paradoxalmente - é uma das provas de que o passado não pode ser abolido.

Na ressaca do "momento neocon"


....(...) Neoconservatives, like most Americans, from the begining had a strong sense of the potentially moral uses of American power, which has been employed throughout the republic's history to fight tyranny and expand democracy around the world. But belief in the possibility of linking power and morality was transformed into a tremendous overemphasis on the role of power, specifically military power, as a means of achieving American national purposes.
....The decision to use force sooner rather than later, or to emphasize hard over soft power, is typically a matter of prudence rather than principle. Yet the officials who populated the Bush administration, as well as their outside supporters, were more likely to have focused throughout their careers on high-intensity combat rather than post-conflict reconstruction, or defense bugets rather than development assistance, as policy issues. No one was opposed in principle to the use of soft power; they simply hadn't thought about it very much. As the saying goes, when your only tool is a hammer, all problems look like nails. (...)

Para o Henrique Raposo, em grande no seu momento Fukuyama.

29.9.06

Miles Davis lives (II)

Num mundo ideal, num mundo só de ideias, isto que se ouve aqui em baixo seria um arquétipo.


(In a Silent Way, 1969, primeiros acordes)


(In a Silent Way / Shhh/Peaceful, versão de 1998 misturada por Bill Laswell)

Miles Davis lives

Numa Wire de há treze anos, Brian Eno escreveu estas palavras a propósito de Miles Davis:

When you listen to Miles Davis, how much of what you hear is music, and how much is context? Another way of saying that is, 'What would you be hearing if you didn't know you were listening to Miles Davis?' I think of context as everything that isn't physically contained in the grooves of the record, and in his case that seems quite a lot. It includes your knowledge, first of all, that everyone else says he's great: that must modify the way you hear him. But it also includes a host of other strands: that he was a handsome and imposing man, a member of a romantic minority, that he played with Charlie Parker, that he spans generations, that he underwent various addictions, that he married Cicely Tyson, that he dressed well, that Jean-Luc Godard liked him, that he wore shades and was very cool, that he himself said little about his work, and so on. Surely all that affects how you hear him: I mean, could it possibly have felt the same if he'd been an overweight heating engineer from Oslo? When you listen to music, Aren't you also 'listening' to all the stuff around it, too? How important is that to the experience you' re having, and is it differently important with different musics, different artists?

A observação de Eno é brilhante, mas corre o risco de ser tomada por redutora. Miles Davis é contexto, mas é igualmente texto (começa, aliás, por sê-lo); é significante e significado; é o labirinto e o seu centro. O mito só nasce e cresce porque na sua origem, a alimentá-lo, existe uma obra tão real, tão boa, tão rica, tão vasta e tantas vezes tão inovadora. Miles morreu fez ontem quinze anos. A música e a mitologia perduram.

28.9.06

O Cão

Civilização é parar na passadeira para deixar o cão rafeiro passar.

25.9.06

e Poe?

Está incluido em Poe(sia)?



O Tiago, conservador, deprimido, punheteiro e abstémio, entendeu o post supra como um acto hostil. Como uma sindicância da sua erudição. Entendeu muito mal. Como prova da minha admiração pela personagem, ofereço-lhe mais um clássico

O ouvinte do fórum

É uma pessoa que costuma ficar extremamente indignada. A sua propensão para a indignação é tal que há dias em que chega a indignar-se com a falta de indignidades.

Os dias de Osama

Hoje em dia, não há thriller político que não meta Al Qaedas, mullahs e Bin Ladens. Nos anos 70, a idade de ouro deste género, tudo era diferente. Havia-os para todos os gostos. Um dos favoritos é The Day of the Jackal (1971), romance de Frederick Forsyth que conta a história de um assassino profissional contratado pela OAS (Organisation Armée Secrète) para liquidar o General De Gaulle. A única coisa chata é o final feliz. Ao longo do livro - ou da magnífica versão para cinema realizada em 1973 por Fred Zinnemann - torço pelo chacal contra o aparatoso aparelho burocrático do Estado francês. A minúcia que põe na execução do seu plano, o aspecto impecável (para os standards da época) com que quase sempre se apresenta, as boas maneiras, fazem dele um criminoso encantador. Parece mentira, mas há pouco mais de vinte anos atrás havia ficção de espionagem capaz de suscitar sentimentos ambíguos. Hoje, nos livros e nos filmes, é difícil torcer pelos maus. A coisa é feita de forma a não dar grandes saídas. Os maus são feios, porcos e maus. Os maus são invariavelmente os outros - uns selvagens que não deixam margem para afinidades. Os maus são uma praga, que nos condena a nós - leitores, espectadores - a torcer pelos bons.

23.9.06

Americana

Americana

Uma república onde agora reina um príncipe

20.9.06

Gostar de mulheres que gostam de mulheres

Break, blow, burn

Camille Paglia é a feminista preferida deste estabelecimento. Mas não é isso que interessa. Paglia é muito mais que “gender studies” e tiradas politicamente incorrectas sobre sexualidade e feminismo. É um dos melhores exemplos da hipótese de uma supremacia feminina. No ano passado publicou Break, Blow, Burn – uma antologia de quarenta e três poemas de língua inglesa comentados por si. Os poemas - grande parte, pelo menos – são obras-primas. E alguns dos ensaios que se lhes seguem não ficam assim tão longe. Ler William Blake, Whitman, Yates ou Wallace Stevens (surpreendentemente, falta Allen Ginsberg, talvez o mais pagliano dos grandes poetas americanos) através da cabeça de Camille Paglia, é como passar uma noite com Angelina Jolie munido dos 33 centímetros de John Holmes.

19.9.06

Da generosidade

Por outro lado, as gordas dão tudo.

Em defesa do modelo de beleza vigente

Em Espanha, depois do fumo e da sesta, querem proibir a magreza das mulheres. Sou, como é óbvio, contra. Gosto de mulheres magras. De preferência, muito magras. Se possível, majestaticamente magras e curvilíneas. Contradição? Nem por isso. As curvas não têm nada a ver com o peso. Existem ou não existem. São um dote natural. Uma mulher sinuosa, magra ou gorda, é sempre uma mulher sinuosa. A magreza apenas realça ainda mais as curvas que já ostenta. Ao contrário, uma mulher sem curvas, por mais que amplie a massa corporal, está condenada a viver sem curvas. A gordura nunca se acomoda onde faz falta. A sua distribuição pelo corpo é dos fenómenos mais grosseiros da natureza. A gordura é infame. Assalta o pescoço, os braços, a cintura, os tornozelos, os pés. Deixa a mulher pesada e (afinal) sem forma.
Por mais que tentem impingir às pessoas que o que interessa é o interior, a verdade é esta: em primeiro lugar, mulher magra e curvilínea; em segundo, exequo, mulher generosa e curvilínea e mulher magra e aplanada; último lugar: mulher gorda.

Walt Whitman por Walt Whitman em 1890


America
Centre of equal daughters, equal sons,
All, all alike endear'd, grown, ungrown, young or old,
Strong, ample, fair, enduring, capable, rich,
Perennial with the Earth, with Freedom, Law and Love,
A grand, sane, towering, seated Mother,
Chair'd in the adamant of Time

17.9.06

O comunismo na América

Marx previu que, instituída sociedade comunista, o dia-a-dia do homem passaria a ser qualquer coisa como isto: de manhã, trabalharia; à tarde, dedicar-se-ia a actividades lúdicas, como a caça ou a pesca; e à noite reunir-se-ia com os seus camaradas para animadas discussões intelectuais.
Vendo bem - mais pormenor, menos pormenor - este é o quotidiano de um milionário americano nos dias de hoje.

15.9.06

Coexist

Hoje somos todos da "dura"

"...representantes da direita mais reaccionária e pseudo democratas de trazer por casa..."

"...reivindicando na própria verborreia a designação de democratas, têm raízes fundas no passado fascista em que militaram de corpo e alma..."


Anabela no Avante

Sou uma pessoa de hábitos

Neste mundo cada vez mais intrincado e perigoso, não há lugar para neutralidades. Não há lugar para meias tintas. É preciso saber escolher o lado da barricada onde ficar. Por isso, na guerra que se avizinha, eu estou pelo Expresso.

10.9.06

Direitas

Entre a "mole" e a "dura", prefiro a semi-rígida.

By the way

Vasco, já que estás em NI, em vez de perderes tempo a interpretar os meus links, podias fazer-me um grande favor: vai a uma Virgin ou HMV e tenta arranjar os seguintes DVDs: Dead Pigeon on Beethoven Street, Crumb (Special Edition), Point Blank e Le Trou (atenção, tem de ser a edição da Criterion). Depois, faz um embrulho com todos e manda-mo por correio para a morada que te farei chegar por email. Logo que receba o material, tratarei de reembolsar-te todos os gastos (se preferires posso fazer uma transferência antecipada). Abraços e boa sorte nas compras.

6.9.06

Junior Boys no jardim dos Faraós


Eu já encomendei os Junior Boys.

E tu, já mandaste vir os Faraós?

(A edição que traz o Aguirre acoplado é capaz de valer bem a pena, e já só há um exemplar)

4.9.06

E quando a lógica não é mais que uma batata (ii)

Os paradoxos são das coisas mais fascinantes que há no mundo (no das ideias, pelo menos). Através deles constata-se que a realidade, por vezes, consegue contrariar pensamentos imensamente lógicos e racionais sem os tornar ilógicos ou irracionais. Um dos meus paradoxos lógicos favoritos é o de Aquiles e a tartaruga, da autoria de Zenão de Eleia. Jorge Luís Borges conta-o assim:

"Aquiles, símbolo da rapidez, tem de alcançar a tartaruga, símbolo de lentidão. Aquiles corre dez vezes mais depressa que a tartaruga e dá-lhe dez metros de vantagem. Aquiles corre esses dez metros, a tartaruga corre um; Aquiles corre esse metro, a tartaruga corre um decímetro; Aquiles corre esse decímetro, a tartaruga corre um centímetro; Aquiles corre esse centímetro, a tartaruga um milímetro; Aquiles o milímetro, a tartaruga um décimo de milímetro, e assim infinitamente, de modo que Aquiles pode correr para sempre sem a alcançar."

A refutação ensaiada por Aristóteles é por muitos considerada frágil, e só a quântica, alguns anos mais tarde (séc. XX), pôs um fim lógico à perpétua corrida entre Aquiles e a tartaruga.

Moral da história: não te fies sempre na lógica, pois a realidade, às vezes, precede a razão.

E quando a lógica não é mais que uma batata



Para a rapaziada blasfema e insurgente.

Pobreza franciscana

A greve é um “socialist nonsense”, afirmou em tempos o velho e sábio John Ford (How green was my valley). Já a “marcha pelo emprego” do Bloco de Esquerda - sem dignidade para ser socialista – é apenas nonsense. Nonsense do ridículo. Um pegado e grotesco nonsense do ridículo. Trupe circense país abaixo; Loção e convidados especiais; Fazenda, as “vacas magras” e umas meninas (não tão magras) com aparente ar irreverente. Miserenta e triste marcha franciscana. “O povo” - ora aos gritos, ora calado, ora aos berros, ora maçado – a vê-la passar.

Dias felizes

Dias cheios. Diário mínimo.

31.8.06

Chuva só tropical, Inverno só em viagem


O ideal seria mesmo seis meses no hemisfério norte e outros seis a sul do equador. Uma espécie de Primavera e Verão eternos.

Com um abraço para o Francisco.

30.8.06

Borges sobre o post anterior

Emociona-nos que ao poeta emocionasse prever a nossa emoção.

29.8.06

Ver mais longe

É extraordinário como alguns arriscaram e conseguiram-no tão bem:

Agora cheio de vida, pleno, visível,
Eu, com quarenta anos de idade no octagésimo terceiro ano dos Estados Unidos,
Para alguém daqui a um século ou a muitos séculos,
Para ti ainda por nascer, estas palavras, procurando-te.

Quando as leres, eu que estava visível, estarei invisível
E tu serás pleno, visível, entenderás os meus poemas, procurando-me,
Imaginando como serias feliz se eu pudesse estar contigo e ser teu companheiro.
Que assim seja como se eu estivesse contigo. (Não estejas tão certo, mas eu estou neste momento contigo).

Walt Whitman (1819-1892)

O friend unseen, unborn, unknown,
Student of our sweet English tongue,
Read out my words at night, alone:
I was a poet, I was young.

James Elroy Flecker (1884–1919)

28.8.06

Big trouble in little vagina

Federação, "equipa gilistas", Mateus, "caso", acórdão, "Liga de honra", "interpor", comissão disciplinar, Valentim, galo de Barcelos, "SAD leixonense", três balneários, "Jardim Zoológico", "órgão" ... Não vale a pena tentar perceber. Por cerca de três contos mês, o canal Venus passa melhor pornografia.

Nada escapa ao livreiro atento

Os escaparates da Fnac enchem-se de livralhada sobre “espiritualismo” e “o Amor” - assim mesmo, com letra grande e tudo. Ora, ou muito me engano ou a maioria destes volumes não passa de guias de sobrevivência para pessoas em adiantado estado de encalhanço. E pessoas em adiantado estado de encalhanço é o que mais se vê por aí.

25.8.06

Comunas para Plutão


Ou como Resumir a semana

23.8.06

O eterno retorno


A moda vive de revivals. A deste Verão é anos 50 (siliconizados, entenda-se).

O avanço do tempo

Quando se está a viver um momento de felicidade, o avanço do tempo é o retrocesso do mundo.

Um escravo

Que, tal e qual como na batalha de Lepanto, só terá direito à liberdade se derrotar o infiel.

Virado ao sul

Um noctívago, se virado ao sul, distingue-se por ter o lado direito da cara mais queimado do que o esquerdo

A culpa é do J.J. Abrams

Em Lost – tal como na vida – prefiro Locke a Roussseau.

Fraude

O bom pintor, por mais abstracta, minimalista ou conceptual que seja a sua obra, tem de saber desenhar muito bem o básico. Caso contrário, não é bom; é apenas uma fraude.

The pursuit of happiness

Como quem procura o prazer batendo com a cabeça na quina da porta e esperando que a dor passe.

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Fotografia tipo passe

Nunca programar o futuro para lá de um mês e meio. Viver cem anos.

Metáfora, ou antes sina

Embora sempre tenha convivido e trabalhado com brancos, Miles Davis foi por diversas vezes acusado de racismo.

18.8.06

Combater o terrorismo

Porque é que ficou a ideia de que Israel perdeu esta guerra?

Porque essa é ideia que ficará sempre que algum Estado tentar combater organizações terroristas através de guerras do tipo convencional. Terroristas que actuam de uma forma global, sem pátria e sem território, combatem-se com Jacks Bauer; com James Bonds; com Malko e o SAS; com a Mossad e a Yaman; com serviços secretos com licença para matar; com agentes infiltrados; quando necessário, com “esquadrões da morte”; com diplomacia perseverante junto dos Estados patrocinadores; com alianças, às vezes de pura conveniência, às vezes cínicas, entre Estados; também - e infelizmente - com alguns retrocessos e limitações de liberdades individuais que no Ocidente já são dadas como adquiridas; com informação, com informação e com mais informação.

Já ninguém, no mundo ocidental, está disposto a morrer pelo que quer que seja. As baixas causadas por uma guerra, mesmo que pequenas, serão sempre empoladas e demasiado inibidoras. A margem de manobra é curta. O terrorismo global sabe disso e joga com isso. A realidade, por mais desanimadora e negra que seja, é a realidade.

A guerra contra o terrorismo é uma guerra para ir travando e ganhando aos bocadinhos. Desiludam-se aqueles que ainda acham que é possível fazê-lo de um dia para o outro.

17.8.06

Gunter Grass?


O meu mal é outro

9.8.06

Actualidades

O que não me mata torna-me mais forte