30.6.06

Notas sobre o Alemanha-Argentina

Todos os jogos a eliminar deveriam começar com a Alemanha a perder. É fórmula que dá sempre bom futebol. Apanhados em desvantagem, os alemães partem para a frente empenhados e concentrados como ninguém. Uma das coisas que me levou a gostar tanto de futebol, foi ter crescido a ver recuperações das selecções alemãs dos anos oitenta (Littebarski, Rummenigge, Stielike, de vez em quando Shuster). Depois de uma década de chatice e insuficiências várias, parece que estão de volta.

E estão de volta sem trincos, sem líberos (heresia, dirá Beckenbauer), sem gigantes especados lá na frente e com alas.

Klingsmman tem demasiado bom aspecto para alemão. E vive na California.

Ballack é um jogador sobrevalorizado. Mas o que hoje se passeou pelo campo não foi só sobrevalorização. Basta atentar na forma como caminha quando a bola está longe de si, para se perceber que é bom. E a cara? E o passe para Neuville no fim do prolongamento, com os olhos virados para a direita e a bola rasa, numa linha recta perfeita, para a esquerda?

Odonkor é uma boa hipótese de grande jogador. Faz lembrar o Futre, sem o bracinho puxado atrás e com a noção do que é defender.

O mundo mudou um bocadinho, o suficiente para ir desfazendo algumas ideias feitas. Mas há-de haver sempre quem grite: São máquinas, foda-se! Dá mais jeito.

A bola é redonda, são onze para cada lado e quando há penaltys a Alemanha ganha.

Nelson Rodrigues dixit

Garrincha está acima do bem e do mal

Maradona quer Ronaldo na sua equipa, ainda que gordo e bêbado


Isto leva-nos a Mané Garrincha. Coxo, mas de finta diabólica. Os defesas esquerdos contrários passaram a ser conhecidos como "Joões da varzea", uns desgraçados que invariavelmente eram deixados para trás. E o seu legado não ficou pelo futebol. "Marcador de Garrincha" passou a ser termo usado para designar pessoa em dificuldade. Ou marido de mulher fogosa.

29.6.06

Sou uma pessoa de hábitos


Deitar fora a discografia completa do Brian Eno, as sinfonias de Brian Wilson e toda a electrónica (de Stockhausen a Stock, Hausen & Walkman). Poupar a mesada e deixar de comprar singer songwriters deprimidos, novidades escandinavas, remisturas de bandas inglesas com nome japonês por disco jockeys vienenses. Edição especial atrás de edição especial de One Nation Under the Groove. Largar o Chico, a Nina, o Scott, o Lou Reed, a Construção, Wild is the Wind, Copenhaga e Berlim. Os drones minimais, as novidades da Wire, as novidades, a Wire, e o disco sound (Tom Moulton, que não pára de tocar, incluído).
Há não muito tempo (não era eu uma criança), na outra ponta do mundo, andei quilómetros de táxi para encontrar uma gravação pirata de Miles Davis (entretanto editada). Hoje, isso parece-me absurdo. Uma perda de tempo e de dinheiro. Coisa de roto. Como prefirir os Stones aos Beatles, os Beatles aos Stones, ou os Velvet Underground, com ou sem Nico, a ambos. Nada disso agora interessa. Como deixou de interessar o modo automático com que o cérebro, ao auscultar a palavra “architecture” (com assento no “cture”), processa em neon as letras s,t,e,p,h,e,n, m,a,l,k,m,u,s. Fui a uma festa, e ouvi pela primeira e única vez uma música. Nunca mais esqueci: alguns minutos de baixo, as escovas a passar pelos pratos, uma voz banal a cantar de forma banal palavras que não fixei. É um hábito ficar com músicas na cabeça. Acordar com músicas na cabeça. Comer com músicas na cabeça. Pensar com músicas na cabeça. Julgar, após escutar Desolation Row (Highway 61 Revisited), que nada mais pode surpreender. Ficar horas seguidas a ouvir Bang On the Ear (Waterboys), e achar que o melhor da música é sensação de auto-estima que inspira, quando inspira. Descobrir um single no meio do lixo em caixotes arrumados debaixo dos escaparates. Ou ver The Last Picture Show sem imagem e advinhar a canção que se segue. Hábitos que deixaram de ser. Agora só ouço a Buda Machine. Habitualmente. Pelo menos durante os próximos três dias.

Keith Jarrett

Todos são iguais perante Deus. Mas uns tocam piano melhor que outros.

28.6.06

High on Laughing Gas
I've been here before
The odd vibration of
The same old universe

Allen Ginsberg, 1958

Os futebolistas não choram

Os grandes momentos dos Mundiais não são os golos, nem os dribles, ou as aberturas, desmarcações, triangulações, defesas, ou voos ou sistemas tácticos, e muito menos os adeptos nas bancadas. São as despedidas. Há oito anos, após a eliminação da Espanha do Mundial de 98, Valdano escreveu um texto que nunca mais esqueci. Nele chamava a atenção para os olhos do Hierro, no final de um jogo em que a Espanha tinha ganho à Bulgária por seis a um, mas que, por força dos resultados anteriores (derrota com a Nigéria e empate com o Paraguai), de nada serviu. Apesar da goleada, a Espanha caía e despedia-se do campeonato. E Hierro, um protótipo de virilidade em qualquer canto do mundo, chorava. Um choro ao mesmo tempo discreto e intenso. Uns olhos pretos, enormes e parados. Nesse dia, todos os homens quiseram ser como o Hierro.
Hoje - já se tornou um hábito -, a Espanha voltou a ser precocemente eliminada. Teve azar, pois era suposto a França ter sido primeira no seu grupo. Acabado o jogo, o realizador concentrou-se apenas na festa francesa. Não mostrou uma única imagem dos jogadores espanhóis. Esteve bem. Depois das lágrimas do Hierro, nada mais resta para filmar nas despedidas espanholas.

Walt Whitman em Nuremberga

I sing the body electric,
The armies of those I love engirth me and I engirth them,
They will not let me off till I go with them, respond to them,
And discorrupt them, and charge them full with the charge of the
soul.

Was it doubted that those who corrupt their own bodies conceal
themselves?
And if those who defile the living are as bad as they who defile the
dead?
And if the body does not do fully as much as the soul?
And if the body were not the soul, what is the soul?

22.6.06

Idade adulta

Zico a festejar um golo na baliza do Brasil.

Our Lord ASS

O disco dos Divine Comedy é uma fraude, o Madaíl tem o cabelo cada vez mais amarelo (goldenshowers, trombadas a guedelhudas arianas und a groß frascuvonperoxide para se poder chegar às kleine frauleins), o Brasil não joga nada, o país não tem futuro, Júlio Isidro voltou ... Não vale a pena lamentarmo-nos, hoje, às seis e meia da tarde, o Alexandre Soares Silva vai à Casa Fernando Pessoa falar sobre livros. Apareçam por lá e ganhem algum ânimo.

Gostar de Bollywood

21.6.06

Já estive a fazer as contas

Se perdermos com a Holanda, evitamos, de uma só vez, a Inglaterra, o Brasil e a Alemanha.

Mudou de equipa?


20.6.06

Profanar as mulheres

Apenas como oposto a sacralizar as mulheres

19.6.06

As barbas do Aiatola

A crítica realça a exibição de Costinha (o mais civilizado jogador da selecção) e de Deco. Mas o que eu mais gostei de ver foi Cristiano Ronaldo. Não será cem por cento consequente, mas promete sempre entusiasmo. Devia haver um decreto interno que obrigasse todos os jogadores da equipa a entregarem-lhe a bola logo que a recebem, e um outro que o proibisse de passar a bola a quem quer que fosse, excepto, talvez, quando rodeado por sete ou oito adversários. Se Nelson Rodrigues tivesse de fazer a crónica do Portugal-Irão, diria que Ronaldo fintou a barba rala de Ahmadinejad, as cinzas do Xá da Pérsia e o turbante do Aiatola. Deixemo-lo, pois, indisciplinado, desrespeitar a táctica.

16.6.06

Trinidad & To beg

15.6.06

Walt Whitman em Berlim

Retirai as fechaduras das portas!
Retirai as próprias portas dos seus umbrais!

Imagem de Bismarck

Talvez por ser o primeiro a ter lugar na Alemanha reunificada, este campeonato do Mundo está infestado de Bismarck por todos os lados. Diplomacia, contenção, pragmatismo. Defende-se muito e sem altivez, espera-se demais pelos erros dos outros, ataca-se em ziguezagues de ângulos agudíssimos, joga-se pelo seguro, joga-se mal (mas isso já não é culpa do Bismarck). Tirando um ou outro golo, um ou outro jogador (Odonkor, Luca Toni, Robben), isto está ser uma enorme maçada. A selecção inglesa mete dó. Já se sabe que nos momentos decisivos envergonha sempre a Rainha. O problema é que os momentos decisivos só começam nos oitavos de final e, até lá, temos que gramar com cento e cinquenta e sete cruzamentos perfeitos e inconsequentes de David Beckham até que um acerte na cabeça de alguém e, fortuitamente, leve a bola à baliza. Eu gosto de Bismarck. Mas na bola prefiro Napoleão.

It depends on what it is

Numa cena de Pulp Fiction, John Travolta argumenta perante um renitente Samuel L. Jackson que massajar os pés da mulher do próximo é mais ou menos a mesma coisa que "comê-la". Massagem de pés e penetração consumada são ou não práticas do mesmo campeonato? Ora aí está uma questão interessante sobre que pensar até chegar a hora do próximo jogo.

Portugal na copa

Já se sabe que é importante "entrar com o pé direito", que "não há jogos fáceis", que "ganhar é o que mais interessa", que 1 a 0 "vale três pontos", que outras "grandes equipas estão a sentir dificuldades", que complicado é "estar lá dentro", que "o primeiro jogo é decisivo" e que Scolari pode dizer o que bem lhe apetece. Mas é bom não esquecer que a única coisa que fizemos foi ganhar à rasca a uma selecção composta por suplentes da divisão de honra e ex semi-glórias do benfica.

14.6.06

Geração de 70

Bom Mundial é aquele em que o Brasil joga bem e perde.

Itália

Até este preciso momento, a melhor equipa africana foi o Gana, a melhor equipa (sem mais) foi a Itália e o melhor jogo, logicamente, o Itália-Gana. Numa altura em que a diplomacia sabuja predomina no mundo da bola, a Itália apresenta-se a jogar de uma forma quase absolutista. Quando não tem a bola, defende, como só ela sabe, com dez jogadores distribuídos pelo interior e limites da grande área, esperando pela inevitável perda de bola do adversário. Logo que recupera, lança-se em contra-ataques rapidíssimos e sem quaisquer rodeios. Pontapé para a frente, como nos matraquilhos. Os italianos não se dão ao trabalho de fintar os jogadores que lhes aparecem pela frente. Despacham de imediato a bola por cima deles ou, pura e simplesmente, ultrapassam-nos em corrida, como se não passassem de corpos irrelevantes, à beira do desprezível, cujo objectivo não é mais do que atrasar um pouco a cavalgada até à baliza contrária. Os jogadores adversários estão para Toti, Pirlo, Camoranesi, Toni e tutti quanti, como as barreiras dos 400 metros barreiras estavam para Edwin Moses: algo que, como mais ou menos incomodo, se ultrapassa a correr e a saltar. Sempre gostei do catenaccio e desde que Zico , Sócrates, Cerezo e Falcão abandonaram a selecção brasileira que torço pela Itália. Mas assim dá mais gozo.

8.6.06

Momentos assim assim do Mundial


Em Nápoles (Itália 90), na trágica meia final contra a Argentina, Serena não recuou e toda a gente pressentiu que iria falhar. Serena falhou.

Recuar é preciso, viver não é preciso

Bastará uma pouco exaustiva observação da realidade para perceber que, quem não recuar até ao limite da grande área para ganhar balanço, perde, pelo menos, cinquenta por cento de probabilidade de marcar o penalty. Por outro lado, quando uma boa parte daqueles que assistem ao jogo pressentem que o penalty não vai entrar, a probabilidade dele não entrar aumenta significativamente. Estamos no campo do silogismo dialético: o jogador que recua apenas um ou dois metros antes de partir para bater a bola, induz no público o pressentimento de falhanço; o falhanço pressentido pelo público induz o jogador a falhar; a probabilidade de o falhanço acontecer cresce e o falhanço acontece (excepto quando se trata de brasileiros dos bons ou do Panenka).

Momentos assim assim do Mundial

A equipa do Uruguai é a grande ausente deste campeonato. É a grande ausente de qualquer campeonato para o qual não seja apurada. Uma selecção que joga mais em porrada do que em força (nisto é a melhor), que tem mau perder, onde há sempre gente expulsa e, pelo meio, um ou outro jogador capaz de pôr uma orquestra de bombos a tocar Vivaldi.

7.6.06

Momentos assim assim do Mundial


O cabelo de Rudy Voeller.

Momentos assim asssim do Mundial


Sócrates falha. Stopyra faz o 1-0. Alemão empata. Amoros 2-1. Zico, depois de ter desperdiçado um durante o jogo, acerta. Bellone marca o 3-2. Branco 3-3. Platini falha, mas de nada serve. Logo a seguir, Julio Cesar atira à trave e Luis Fernandez põe a França nas meias-finais.

Momentos assim assim do Mundial


Esquema táctico da selecção peruana de 1978. O Peru começou bem o Mundial da Argentina (vitória sobre a Escócia, empate com a laranja mecânica e goleada ao Irão), mas acabou humilhado pela equipa da casa, num jogo em que o resultado (6-0) – diz-se – foi previamente acordado entre Generais dos dois países, para permitir que a Argentina passasse à final, em nome do orgulho latino-americano.

5.6.06

Viver em Portugal é bom

Ou não fosse este um país que, na primeira semana e meia de Mundial, oferece quatro dias inúteis, dois feriados e três potenciais pontes. Tudo bem pensado e melhor escolhido para nos permitir assistir sem grandes chatices a 18 dos jogos de meio da tarde.

Alemanha 2006

Muito melhor que a futebolândia é a futebolândia global.

Revisionismos

Até simpatizo com a ideia de pôr alguma ordem na caracterização do Estado Novo e clarificar a má doutrina que, desde o PREC, tem sido usada para explicar a História recente às criancinhas. Mas convém não exagerar. Salazar, um liberal? Parece-me ser demais. Nesse caso, como definir o João Miranda? Um desterrado de Mercúrio?

2.6.06

Breve História da humanidade

The sun is the same in a relative way but you're older

Sobre estetas V

A estética não é um conceito relativo. Admite-se alguma margem para considerar isto ou aquilo mais ou menos estético. Mas não se pode dizer que tudo tem o seu lado estético. O mau gosto é mau gosto, e o que não falta é gente iludida com a sua capacidade de apreciação. Depois há os guardiões da Estética - com letra grande e dedo em riste - que não concedem um milímetro perante gostos que se desviem dos superiores padrões que erigiram e tentam impor aos outros. A estética torna-se, então, maçadora, obrigatória, sagrada. Os estetas absolutistas, encontrando-se num extremo, delimitam a mediania. É bom que existam, mas ainda é melhor que não mandem.

Sobre estetas IV

Os antigos (Platão & Co.) associavam a estética à ética, a beleza à moral, o belo ao bom. O tempo acabou por mostrar que são conceitos de tal modo autónomos que muitas vezes se concretizam em pólos opostos. Não sei ao certo quem perdeu mais com a dissolução da unidade clássica, mas desconfio que não foi a estética.

Sobre estetas III

Já um esteta cego, com o tacto naturalmente mais apurado, é um esteta feliz.

Sobre estetas II

Um esteta que não se faça acompanhar por uma mulher linda, é um esteta sem autoridade moral.

Sobre estetas

O verdadeiro esteta não se contenta com reconhecer, contemplar e admirar a beleza. Quer consumi-la, trazê-la para casa, comê-la, fazê-la sua propriedade. Quando não consegue - e quase nunca consegue em níveis condizentes com a voracidade esteta que o consome - fica frustrado. O verdadeiro esteta é um ser insatisfeito por natureza.